Observe a passagem a seguir: “... nos últimos dias ensinei ...
A língua como ela é
Nos últimos dias tive uma experiência muito gratificante cumprindo o meu papel de professora de língua portuguesa – sim, gosto de enfatizar que dou aula de língua e não de gramática da língua. Pois é, nos últimos dias ensinei a nossa língua portuguesa a estrangeiros ávidos por aprender o idioma oficial do país que sediou o maior evento esportivo do planeta. São pessoas de todas as partes com um objetivo em comum: interagir, comunicar-se em português.
Como práxis, nas aulas iniciais, ensinamos o verbo “ser” e “estar”; para nós brasileiros, o famoso e enfadonho verbo to be das aulinhas de inglês. Então, a lição inicial é fazer com que os iniciantes entendam a diferença entre ambos os verbos, já que na língua do Tio Sam tal diferença só é percebida no contexto comunicativo. As explicações acontecem com exemplos reais, a fim de mostrar-lhes a língua como ela é.
Nas aulas para estrangeiros o “tu” e o “vós” são abolidos, completamente descartados, e isso é o sonho linguístico de toda e qualquer criança brasileira. Imaginem o tormento: conjugação do verbo “ir”, no presente do indicativo “tu vais”, “vós ides” e a criança inconformada e chorosa pergunta: “Mãe, alguém fala isso? Eu não falo”. Pois é, sábia conclusão! A criança, com seu conhecimento linguístico inato, não reconhece o idioma descrito na Gramática e intui que aquelas conjugações trarão uma imensa dor de cabeça e possíveis notas vermelhas.
A língua como ela é não se apresenta, com pretérito-mais-que-perfeito, como insiste a Gramática Normativa e seus exemplos surreais: “O vento fechou a porta que o vento abrira.” Abrira?
Com o futuro também temos problemas. Não, não sou vidente, não me refiro ao amanhã, refiro-me ao tempo gramatical. Ele, como a GN sugere, não participa dos nossos planos, visto que um casal, ao sonhar com o ninho de amor, não enrola a língua para conjugar o verbo “querer” e, em vez de dizer “Nós quereremos um apartamento de frente para o mar”, usam a corriqueira forma composta “Vamos querer...”. A partir disso, façamos uma reflexão: por que não mostrar aos nossos pupilos os tempos verbais no contexto da nossa realidade linguística? O tempo futuro pode ser dito com a forma composta (verbo auxiliar no presente + verbo principal no infinito) acompanhada pelo advérbio de tempo que situa a ideia. Sendo assim, dizemos: “Vou viajar amanhã”. E falar assim é menos futuro? É tanto quanto em “Viajarei amanhã”, com o detalhe de que está caindo em desuso na fala do dia a dia.
Ah! Como é gostoso ensinar a língua viva! Aquela que não está engessada nos compêndios gramaticais! Porém, os gramáticos que elaboram tais manuais afirmariam categoricamente: ensinar português para estrangeiros é diferente de ensinar português a uma criança nativa, afinal, ela já sabe português. Concordo! Claro que não precisamos ensinar as diferenças entre ser e estar, levar e trazer, conhecer e saber, confusões típicas de um aprendiz não nativo.
Sugerir e advogar a favor do ensino real da língua significa retirar o que não é utilizado ou é raramente visto na escrita, é ignorar regras inúteis que não influenciam na compreensão da língua. Um exemplo clássico é o pronome oblíquo no começo da oração. Os puristas da língua consideram um erro crasso, mas que mal pode haver em dizer “Me empresta o seu livro do Veríssimo”? E por que não escrever assim também? É uma tendência nossa o uso da próclise, enquanto os portugueses preferem a ênclise. O nosso olhar para com os fenômenos linguísticos se compara ao estudo de um biólogo ou de um botânico, que não diz que aquela flor é mais ou menos bela por causa do formato das pétalas ou da coloração. Falar “empresta-me” não é mais ou menos bonito, é diferente, e em ambos os casos a comunicação acontece.
Portanto, a minha singela conclusão é que precisamos de gramáticas que não tenham espaço para mesóclise, pronome possessivo “vosso”, lista de substantivos coletivos, tipos de sujeito e predicado, enfim, uma série de bobagens e gramatiquices que não ensinamos para os estrangeiros, porque não são relevantes para comunicação, também porque não fazem parte da língua como ela é.
(Disponível em http://conhecimentopratico.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/53/artigo344826-1.asp Acesso em: 08 set 2016.)
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Em palavras breves, as figuras de linguagem são recursos expressivos utilizados com objetivo de gerar efeitos no discurso. Dentro do extenso grupo em que se arrolam esses recursos, existem quatro subdivisões: figura de palavra, figura de construção, figura de sintaxe e figura de som.
Leiamos o trecho:
"... nos últimos dias ensinei a nossa língua portuguesa a estrangeiros ávidos por aprender o idioma oficial do país que sediou o maior evento esportivo do planeta”
No trecho em destaque consta a perífrase, que consiste no uso de palavras para referir-se a alguma coisa por sua característica. Exs.: Cidade da Luz (Paris), Rei das Selvas (Leão), Planeta Água (Terra), etc. A frase "o maior evento esportivo do planeta" é perífrase para Copa do Mundo, sediada pelo Brasil em 2014.
a) “Última flor do Lácio, inculta e bela.” (Olavo Bilac)
Correto. Neste célebre verso de Bilac, o poeta serviu-se da mesma figura de linguagem acima para referir-se à língua portuguesa, especificamente no segmento sublinhado.
b) “Beijou sua mulher como se fosse a única.” (Chico Buarque)
Incorreto. Há comparação (ou símile). Esta figura, semelhante à metáfora, estabelece comparação entre elementos. Usualmente apresentará conectivos para este fim, a exemplo de “como”, “tal como”, “qual”, etc. Exs.:
“Por ali ficou feito gato sem dono.” (Monteiro Lobato)
“Meu coração tombou na vida/tal qual uma estrela ferida/pela flecha de um caçador.” (Cecília Meireles)
“A sombra das roças é macia e doce, é como uma carícia.” (Jorge Amado)
c) “Uma talhada de melancia com seus alegres caroços.” (Clarice Lispector)
Incorreto. Consta a personificação, animismo ou prosopopeia. Esta figura diz respeito à atribuição de ações, qualidades ou sentimentos humanos a seres inanimados. Também é utilizada para emprestar vida e ação, não necessariamente humanas, a seres inanimados. Note ser impossível a melancia ter caroços alegres, visto que a alegria é predicado que pertence um ser vivo. Outros exemplos:
“O carrinho tem pouco serviço e passa mor parte do tempo no depósito.” (Monteiro Lobato)
“Os sinos chamam para o amor.” (Mario Quintana);
“(...) o sol, no poente, abre tapeçarias...” (Cruz e Sousa);
d) “A Igreja era grande e pobre. Os altares, humildes.” (Carlos Drummond de Andrade)
Incorreto. Consta a personificação, animismo ou prosopopeia. Esta figura diz respeito à atribuição de ações, qualidades ou sentimentos humanos a seres inanimados. Também é utilizada para emprestar vida e ação, não necessariamente humanas, a seres inanimados. Observe que "humilde" e "pobre" referem-se, em primeiro lugar, a seres. Os exemplos da alternativa anterior aplicam-se aqui.
Letra A
Acho que a banca diz dizer que isso é uma HIPÉRBOLE. A alternativa A tbm há uma hipérbole - ULTIMA FLOR DO LÁZIO
Colegas, segue o link para nos manifestarmos oficialmente sobre a PEC 32/2020 que trata sobre a Reforma Administrativa. Acesse a página da Câmara e clique em "Discordo Totalmente": forms.camara.leg.br/ex/enquetes/2262083/resultado
A expressão o maior evento esportivo do planeta (no contexto seria as olimpíadas de 2016) = a figura de palavra Antonomásia/ Perífrase.
A expressão "Última flor do Lácio, inculta e bela" é o primeiro verso de um famoso poema de Olavo Bilac, poeta brasileiro que viveu no período de 1865 a 1918. Esse verso é usado para designar o nosso idioma: a última flor é a língua portuguesa, considerada a última das filhas do latim. ( ou seja outra Antonomásia/ Perífrase).
posso tá errado ? posso... mas faz muito mais sentido que hipérbole. Gabarito letra A
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