Sobre o uso das aspas na oração destacada em “ EU TE ODEIO’...

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Q1335605 Português

Texto para responder à questão.


O Búfalo


    Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais louros. A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranquilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. “Mas isso é amor, é amor de novo”, revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio mas era primavera e dois leões se tinham amado. Com os punhos nos bolsos do casaco, olhou em torno de si, rodeada pelas jaulas, enjaulada pelas jaulas fechadas. Continuou a andar. Os olhos estavam tão concentrados na procura que sua vista às vezes se escurecia num sono, e então ela se refazia como na frescura de uma cova.
    Mas a girafa era uma virgem de tranças recém-cortadas. Com a tola inocência do que é grande e leve e sem culpa. A mulher do casaco marrom desviou os olhos, doente, doente. Sem conseguir — diante da aérea girafa pousada, diante daquele silencioso pássaro sem asas — sem conseguir encontrar dentro de si o ponto pior de sua doença, o ponto mais doente, o ponto de ódio, ela que fora ao Jardim Zoológico para adoecer. Mas não diante da girafa que mais era paisagem que um ente. Não diante daquela carne que se distraíra em altura e distância, a girafa quase verde. Procurou outros animais, tentava aprender com eles a odiar. [...]
    “Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. “Eu te odeio”, disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma? Andou pelo Jardim Zoológico entre mães e crianças. Mas o elefante suportava o próprio peso. Aquele elefante inteiro a quem fora dado com uma simples pata esmagar. Mas que não esmagava. Aquela potência que no entanto se deixaria docilmente conduzir a um circo, elefante de crianças. E os olhos, numa bondade de velho, presos dentro da grande carne herdada. O elefante oriental. Também a primavera oriental, e tudo nascendo, tudo escorrendo pelo riacho.
    [...]
    O búfalo voltou-se, imobilizou-se, e a distância encarou-a.
    Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la. Eu te odeio, disse implorando amor ao búfalo.
    Enfim provocado, o grande búfalo aproximou-se sem pressa.
    Ele se aproximava, a poeira erguia-se. A mulher esperou de braços pendidos ao longo do casaco. Devagar ele se aproximava. Ela não recuou um só passo. Até que ele chegou às grades e ali parou. Lá estavam o búfalo e a mulher, frente à frente. Ela não olhou a cara, nem a boca, nem os cornos. Olhou seus olhos.
    E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus olhos. E uma palidez tão funda foi trocada que a mulher se entorpeceu dormente. De pé, em sono profundo. Olhos pequenos e vermelhos a olhavam. Os olhos do búfalo. A mulher tonteou surpreendida, lentamente meneava a cabeça. O búfalo calmo. Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada com o ódio com que o búfalo, tranquilo de ódio, a olhava. Quase inocentada, meneando uma cabeça incrédula, a boca entreaberta. Inocente, curiosa, entrando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos que sem pressa a fitavam, ingênua, num suspiro de sono, sem querer nem poder fugir, presa ao mútuo assassinato. Presa como se sua mão se tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que antes do corpo baquear macio a mulher viu o céu inteiro e um búfalo.
LISPECTOR, Clarice. O búfalo . In: Laços de família. Rio: José Olympio, 1982. p.149.
Sobre o uso das aspas na oração destacada em “ EU TE ODEIO’, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la.”, é correto afirmar que, no contexto:
Alternativas

Gabarito comentado

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Alternativa correta: C - introduz o discurso direto, voz da personagem.

Vamos esclarecer como cada alternativa se relaciona com o uso das aspas no trecho destacado, para que você compreenda bem o tema de pontuação e discurso direto.

As aspas são frequentemente utilizadas para marcar o início e o fim de uma citação direta, ou seja, para indicar as palavras exatas ditas por alguém. Neste caso, o trecho "“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la." utiliza as aspas para introduzir o discurso direto da personagem, deixando claro que essas palavras foram expressas por ela.

1. Justificativa da alternativa correta:

C - introduz o discurso direto, voz da personagem: As aspas estão sendo usadas para delimitar exatamente o que a personagem disse. No contexto, elas introduzem o discurso direto, isto é, a fala exata da personagem, destacando suas palavras dentro da narrativa. Isso ajuda o leitor a diferenciar os pensamentos ou narrativas do autor daquilo que é falado diretamente pela personagem.

2. Análise das alternativas incorretas:

A - abre e fecha o pensamento do autor: Essa alternativa está incorreta porque as aspas não estão sendo usadas para delimitar um pensamento do autor. Elas indicam, na verdade, a fala direta da personagem, não um pensamento ou comentário do narrador.

B - indica interrupção do discurso: Errada. As aspas não servem para mostrar uma interrupção no discurso. Elas são usadas para marcar o início e o fim do discurso direto da personagem, sem intenção de sinalizar qualquer interrupção.

D - enfatiza a ironia da protagonista: Embora seja possível usar aspas para destacar ironia em alguns contextos, neste caso específico, as aspas estão claramente sendo usadas para introduzir o discurso direto, não para enfatizar ironia. A ironia pode estar presente na situação descrita, mas não é essa a função das aspas aqui.

E - deixa o sentido em aberto, para estimular o leitor: Também incorreta. As aspas aqui não estão sendo usadas para deixar o sentido em aberto. Elas delimitam de forma precisa o que foi dito pela personagem, sem margem para ambiguidade.

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