O texto, no primeiro parágrafo, só não se atém:
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Apelidos: dupla identidade.
Os apelidos são uma maneira poderosa de botar as pessoas nos seus devidos lugares. Essa frase é da escritora Doris Lessing e chamou minha atenção porque diz justamente o contrário do que eu sempre pensei de apelidos. Sempre achei que fossem um carinho, um atalho para a intimidade ou ao menos um meio mais rápido de chamar alguém: em vez de João Carlos, Joca; em vez de Maria Aparecida, Cida; em vez de Adalberto, Beto. Nenhuma má intenção.
O que Doris Lessing quis lembrar é que apelidos nem sempre são afetuosos. A maioria dos apelidos nascem na infância e são dados por outras crianças que, como todos sabem, de anjo só têm a cara. Crianças adoram pegar no pé das outras, e aí que começa o batismo de fogo.
Uma banana-split todo dia na hora do recreio, Gordo. Vai ser Gordo o resto da vida, mesmo que venha a ser jóquei, faquir, homem elástico: vai morrer Gordo.
Se for loiro, é Xuxa. Se a voz for engraçada, é Fanho. Se não for filho único, é Mano, Mana, Maninha. Irmãos de quem, eu conheço?
Fui colega de um cara bárbaro que se chamava Antônio, mas se alguém o chamasse assim, ele nem levantava os olhos. É o Verde. Uma mãe e um pai colocam um nome lindo no filho e não pega.
FHC, PC, ACM, agora é a mania transformar pessoas em siglas. Sorvetão era o apelido de uma paquita chamada Andrea: Sorvetão! E Caetano Veloso inova mais uma vez, registrando seus filhos como Zeca e Tom, que jamais serão apelidados.
Muita gente, secretamente, detesta a própria alcunha, mas são obrigados a resignar-se, sob o risco de perder a identidade. Qual é o nome de Bussunda, do Tiririca, do Chitãozinho e Xororó? Anônimos Cláudios, Ricardos e Fernandos. Nomes que só existem em cartório.
Apelido gruda, cola, vira marca registrada. Tem negro que é Alemão, tem grandão que é Fininho, tem careca que é Cabeleira, tem ateu que é Cristo, tem moreno que é Ruivo, tem albino que é Tição. Apelido não tem lógica. Tem história.
Doris Lessing, quando criança, tinha um apelido para sua segunda personalidade: chamava a si mesmo de Tigger. Doris era o nome para consumo externo, para denominar a menina boazinha que aparentava ser. Tigger era o que ela era em segredo: sarcástica, atrevida, extrovertida. Com esse depoimento, Doris Lessing mostrou a verdadeira utilidade dos apelidos em vez daquela coisa antipática de “colocar as pessoas em seus devidos lugares”. O bom do apelido é que ele nos dá permissão para sermos vários: Afonso Henrique combina com gravata, mas que tem mais a ver com bermuda. Está aí uma maneira sutil de legalizar o nosso outro eu, o que ficou sem registro.
Fonte: MEDEIROS, Martha. Trem Bala, fev, 1998, p. 49,50.
O texto, no primeiro parágrafo, só não se atém: