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Ano: 2023
Banca:
IBADE
Órgão:
Prefeitura de Ibatiba - ES
Prova:
IBADE - 2023 - Prefeitura de Ibatiba - ES - Professor PEB AI |
Q3045467
Português
Texto associado
Música violenta
Publicado em 14/02/2023
Paulo Pestana
Crônica
Carmen Miranda, em 1932, gravou um samba de André
Filho, o autor de Cidade Maravilhosa, que dizia assim: “Vivo feliz,
no meu canto, sossegada/ Tenho amor, tenho carinho/ Tenho
tudo, até pancada”.
No mesmo ano, Noel Rosa escreveu: “Mas que mulher
indigesta, merece um tijolo na testa”. Em 1930, Ary Barroso
ganhou o concurso de músicas de carnaval na voz de Francisco
Alves, que cantava: “Essa mulher há muito tempo me provoca/
Dá nela! Dá Nela”.
Em 1974, outro dia mesmo, portanto, Simone gravou
um samba de roda que diz: “Se essa mulher fosse minha/ Eu
tirava do samba já, já/ Dava uma surra nela/ Que ela gritava:
chega”.
A violência, além da pancada física, era humilhante.
Francisco Alves, o rei da voz, em parceria com Jorge Faraj, gravou
uma valsinha em 1936: “Certas mulheres que conheço/ Que
vendem conforme o preço/ Os seus amores banais/ E eu volto a
chorar pensando/ Que fui bem tolo te amando/ Pois tu deves ser
das tais”.
E Mário Lago, que quatro anos depois, com Ataulfo
Alves, comporia Amélia, o símbolo da mulher submissa, treinou
antes com Benedito Lacerda. A música foi gravada por Orlando
Silva, em 1939: “Eras no fundo uma fútil/ E foste de mão em
mão/ Satisfaz tua vaidade/ Muda de dono à vontade/ Isto em
mulher é comum”.
E o fato de gostar de música não significa comunhão de
ideias com os autores. Até porque muitas mulheres, de ontem e
de hoje, participam da detração; Francisco Alves, que tantas
músicas machistas gravou, derreteu corações femininos até a
morte, em 1952, quando milhares de mulheres saíram à rua para
chorar pelo ídolo.
Amélia, música-símbolo da mulher submissa, está
completando 80 anos. Ainda é ouvida em rodas de samba pela
cidade. Não surpreende: a letra é de uma candura angelical
diante de alguns funks atuais, alguns deles cantados por
mulheres.
É uma música importante, uma das primeiras a usar
uma estrutura mais parecida com o samba ouvido nas escolas,
menos estilizada do que o que se ouvia no rádio de então, criada
por Ataulfo Alves [...]. Mas a letra, de Mário Lago, provocou
polêmica desde o início, tanto que nenhum dos grandes cantores
da época a lançou, foi gravada pelo próprio Ataulfo (e suas
Pastoras).
Amélia virou verbete de dicionário como sinônimo de
submissão; a canção é condenada, vem sendo cancelada. Hoje –
mesmo depois de passada a pandemia – muita gente prefere usar
máscara, se esconder por trás de palavras corretas, ao invés de
coibir as ações incorretas.
Amélias e Emílias (“Eu quero uma mulher/ Que saiba
lavar e cozinhar/ E de manhã cedo/ Me acorde na hora de ir
trabalhar”, do samba de Wilson Baptista) são personagens de
outra época. Nos funks atuais a submissão é bem mais explícita,
com letras que não se ouvia nem nas músicas safadas de outros
tempos.
A sociedade vem se alternando contraditoriamente
entre a amoralidade absoluta e as palavras politicamente
corretas. É um mundo meio perdido e triste quando a gente vê
que as pessoas estão se alienando da vida.
PESTANA, Paulo. Música violenta. Correio Braziliense, 23 de
janeiro de 2023. Crônica. Disponível em:
https://blogs.correiobraziliense.com.br/paulopestana/musicaviolenta/. Acesso em: 03 mar. 2023.
De acordo com o que foi explicitado no texto, compreende-se
que o cronista: