No trecho: "Seu corpo amiúde fazia mogangas sobre um monte d...
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Ano: 2024
Banca:
CPCON
Órgão:
Prefeitura de São Domingos do Cariri - PB
Prova:
CPCON - 2024 - Prefeitura de São Domingos do Cariri - PB - Cargos de Nível Fundamental Completo |
Q2497079
Português
Texto associado
Leia o texto abaixo para responder à questão:
Eu quero comer brigadeiro.
Por Dôra Limeira
Preto, traje roto, sandálias de dedo, ele morava num aglomerado habitacional de taipa, na periferia. Era menino ainda, mas suspeitaram
que fosse bandido. Seu corpo amiúde fazia mogangas sobre um monte de barro, no arruado onde morava, equilibrando-se com
agilidade. Brincava de ser cristo redentor, braços esticados, mãos estendidas sobre um corcovado de brasilites e isopores rasgados.
Vadiava sob os aplausos da meninada e dos adultos desocupados. De tanto repetir a brincadeira, ganhou um apelido: “Cristo
Redentor”, Cristim na intimidade. Era franzino, comprido e não tinha medo de nada. Nos horários da escola, ora estendia seus braços
em cruz sobre o arruado, ora se postava junto aos semáforos. Fazia malabarismos e virava cambalhotas diante dos carros parados no
sinal vermelho. Comia fogo, canivetes, tesouras. Assim, ganhava uns trocados e entregava, em casa, à sua mãe que também tinha
apelido – Dona Maria de Cristim. Um dia, final de tarde, parou junto à vitrine de uma lanchonete. Foi quando suspeitaram que fosse
bandido. Imóvel, avistou os doces e brigadeiros, bolos confeitados, empadas e pastéis. As glândulas salivaram. Com a fome nos olhos e
a boca babando, Cristim apalpou os bolsos rasos da bermuda. Ouviu o tilintar das moedas que arrecadara comendo tesouras no último
semáforo. Retirou as moedas do bolso e pensou: “Eu quero comer brigadeiro”. Mas não houve tempo. Um jato de sangue jorrou-lhe das
entranhas e as moedas tilintaram no chão. Rolaram ladeira abaixo, alegres. Para Cristim, já não valiam nada. Seu corpo deu entrada no
IML, sem sinais especiais que o identificassem, sem dono. Serviu de exemplo nos noticiários de televisão. O rosto morto foi capa de
revista policial. Tarjas pretas cobriram-lhe os olhos desbotados, envergonhados. Cristo Redentor era menor de idade, um menino
ainda, mas pensaram que fosse bandido. Em casa, sua mãe esperou a noite inteira. Volta para casa, Cristim, pensava. E chorava feito
uma pietá. Dona Maria não sabia que, rígido e frio, Cristo jazia numa gaveta de frigorífico, sem túnica.
Sobre a autora: Dôra Limeira nasceu em João Pessoa no dia 21 de abril do século passado. Graduou-se e especializou-se em História
na UFPB. Depois que se aposentou enquanto professora, fez teatro, foi uma das fundadoras do Grupo Teatrália. Depois enveredou pela
Literatura, tendo publicado seu primeiro livro aos 60 anos, o livro de contos "Arquitetura de um Abandono". Por causa desse livro,
recebeu o prêmio de Revelação Literária 2003, promovido pelo Suplemento Literário Correio das Artes, do jornal AUnião. Em 2002,
participou do Concurso Talentos da Maturidade (promovido pelo Banco Real) com o conto "Não há sinais", concorrendo com 10.338
inscritos em todo o país. Foi incluída entre os vinte melhores concorrentes. Como tal, teve seu conto publicado na antologia "Todas as
estações", pela editora Peirópolis. Em 2005 publicou seu segundo livro de contos, o "Preces e Orgasmos dos Desvalidos". Dôra
Limeira é uma das fundadoras do Clube do Conto da Paraíba.
Fonte: Limeira, Dôra. Eu quero comer brigadeiro. Disponível em: https://clubedoconto.blogspot.com/ Acesso em 02 de abr de 2024.
No trecho: "Seu corpo amiúde fazia mogangas sobre um monte de barro," a expressão "fazia mogangas" representa uma variante
linguística chamada: