O TATU-ROSQUEIRA J. Simões Lopes Neto Já em rapaz eu ouvira...

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Ano: 2009 Banca: FUNRIO Órgão: MJSP
Q1228795 Português
O TATU-ROSQUEIRA J. Simões Lopes Neto
Já em rapaz eu ouvira falar numa raça de tatus-rosqueira, porém punha minhas dúvidas nessas histórias. Passaram-se os anos; caminhei muito, muito, aconteceu-me muito, mas de tatu-rosqueira, nada! Pois dessa feita, no Rincão das Tunas, vi; do outro lado do rio Camaquã. Com estes que a terra há de comer, vi... e se me fosse contado não acreditaria.
Periga a verdade, mas lá vai, e, demais, estavam presentes o Capitão Felizardo, já falecido, o licenciado Silvinha (que perdi de vista), além dos peões, sem falar nos cachorros, por sinal bons tatuzeiros.
(...) Era por uma bonita noite de luar. Estávamos mateando e pitando; conversa vai, conversa vem, quando o Major Felizardo lembrou que podia divertir-nos proporcionando-nos uma caçadita aos tatus. – E tatu-rosqueira, então, que é praga!... – concluiu o major. A este dito, saltei: – Pois há? – inquiri. – Xi! Assim!...
E o Major juntou em molho os dedos das duas mãos, e assobiou comprido. Aprestamo-nos e saímos rumo do rincão. De chegada soltamos os cachorros, e daí um quase-nada já lhes ouvíamos o ganiçado. Começamos a bater as tocas. Aquilo foi rápido. Havia mesmo muito tatu! Cachorro farejava, cavava na entrada da toca, e nós já rente, de enxada, dá-le que dá-le! Eu é que tive a sorte de descobrir o primeiro tatu; o primeiro tatu, não, o primeiro rabo de tatu. E no que descobri, agarrei-o. Tironeei, tironeei e nada, o bicho não vinha; já ia meter o dedo... sabem, hein?... quando o licenciado Silvinha gritou-me:  – Não faça isso, Romualdo... Destorça a rosca do rabo!... – Quê? – Sim, e para a esquerda, a modo de parafuso inglês!
Sem ter consciência do que fazia, às mãos ambas dei umas quantas voltas para a esquerda, e qual não foi o meu espanto quando senti que efetivamente aquilo cedia, afrouxava, desatarraxava-se!... E fiquei com o rabo na mão... sem o tatu! Pelos outros lados os companheiros andavam na mesma faina. Algo desapontado, indaguei do licenciado:  – E agora?... – Passe a outro. Guarde esse rabo aí no saco; daqui a pouco você verá o resto!
Aquilo era curioso, passei a outra cova, a mesma manobra: outro rabo no saco; outra e outra, e assim uma porção delas. A certa altura o Tenente-coronel deu ordem de parar, pois não poderíamos transportar toda a caçada; o saco estava cheio a mais de meio. Eu estava desconfiado e furioso, mas disfarçando, achava esquisito vir ao mato caçar tatus e só levar-lhes as caudas... Mas o Coronel Felizardo fez um sinal e logo nos arrolhamos em volta do saco; fez-se silêncio e daí a pouco começou a tatuzada a sair das tocas – desrabados todos – e vieram se chegando para o saco, focinhavam nele e ficavam quietos, como viúva velha chorando na cova de marido novo… 
Aí então é que era pegar e sangrar tatu!... Foi uma senhora matança! Fizemos umas quantas enfiadas e voltamos para casa vergando o peso da caçada. Eu, por mim, confesso estava atônito! Em caminho é que o Brigadeiro Felizardo me foi contando a coisa pelo miúdo.  – Romualdo, você conhece o tatu-peludo ou o de-rabo-mole, o bola, o guaçu e outros; mas parece que este nunca viu... – De ouvido, sim! – Ora! Ouvir falar é uma coisa, ver é outra... Este tatu tem o rabo como uma rosca, por isso se chama rosqueira; caçá-lo é facílimo: descoberta a toca, basta poder agarrá-lo pela cauda e, em vez de puxar, destorcê-la e depois levá-la para um pouco distante, naturalmente o rosqueira sente falta do peso do rabo e pelo faro vai em busca, acha-o e começa logo a cavar no chão um buraco estreito e fundo, entra então com focinho a dar voltas e mais voltas à cauda solta, e tanto trabalha que a faz cair de ponta para baixo no buraco que preparou: então, chega-lhe terra e vai enchendo, de forma que a cauda pode ficar fincada como uma estaca, e quando ele sente que está firme, senta-se-lhe em cima e... – E... parece incrível!... – E começa a andar à roda, à roda, sempre para a direita, até atarraxar-se de novo ao rabo. No que está pronto vai embora!
No dia seguinte fui ao mato, sozinho, para verificar o caso. Descobri logo umas sete covas, portanto sete tatus; destorci sete rabos, pu-los no chão; trepei a uma árvore copada e esperei: vieram os tatus, fizeram os tais buracos, fincaram as caudas, sentaram-se em cima delas e começaram a rodar, a rodar, a rodar. Dentro em pouco um primeiro cessou o movimento e atirou-se para a frente, na sua posição natural, de quatro patas; e logo outro, enfim todos os sete, perfeitamente bons, enrabados, completos. Sem querer fiz um movimento, e os bichos fugiram rápidos como setas. Era a pino do meio-dia. 
Para comer é que não são bons: têm a carne muito dura.  
(adaptado de “Casos de Romualdo”. Porto Alegre: Globo, 1952)
Nos parágrafos 11 e 12, o narrador nos dá conta de como começou a caçada: “Eu é que tive a sorte de descobrir o primeiro tatu; o primeiro tatu, não, o primeiro rabo de tatu. E no que descobri, agarrei-o. Tironeei, tironeei e nada, o bicho não vinha; já ia meter o dedo... sabem, hein?... quando o licenciado Silvinha gritou-me: – Não faça isso, Romualdo... Destorça a rosca do rabo!...” Observa-se aqui que há uma relação entre o emprego dos sinais de pontuação e a intenção de reproduzir traços da oralidade. Isso está confirmado na seguinte alternativa: 
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