Tempo IncertoOs homens têm complicado tanto o mecanismo da v...
Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Q1227621
Português
Tempo Incerto
Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de nada: para se fazer alguma coisa é preciso aliar a um impulso de aventura grandes sombras de dúvida. Não se acredita mais nem na existência de gente honesta; e os bons têm medo de ____________ sua bondade, para não serem tratados de hipócritas ou de ingênuos. Chegamos a um ponto em que a virtude é ridícula e os mais vis sentimentos se mascaram de grandiosidade, simpatia, benevolência. A observação do presente levanos até a descer ........ exemplos do passado: os varões ilustres de outras eras terão sido realmente ilustres? Ou a história nos está contando as coisas ao contrário, pagando com dinheiros dos testamentos a opinião dos escribas? Caso prestarmos atenção ao que nos dizem sobre as coisas que nós mesmos presenciamos – ou temos que aceitar a mentira como a arte mais desenvolvida do nosso tempo, ou desconfiaremos do nosso próprio testemunho, e acabamos no hospício! Pois assim é, meus senhores! Prestai atenção ....... coisas que vos contam, em família, na rua, nos cafés, em várias letras de forma, e dizei-me se não estão incertos os tempos e se não devemos todos andar de pulga atrás da orelha! A minha esperança estava no fim do mundo, com anjos descendo do céu; anjos dóceis e anjos terríveis; os dóceis para ___________ os que se sentarão ......... direita de Deus, e os terríveis para os que se dirigem ao lado oposto. Mas até o fim do mundo falhou; até os profetas se enganam, a menos que as rezas dos justos tenham podido adiar a catástrofe que, afinal, seria também uma apoteose. E assim continuaremos a quebrar a cabeça com estes enigmas cotidianos. No tempo de Molière, quando um criado dava para pensar, atrapalhava tudo. Mas agora, além dos criados, pensam os patrões, as patroas, os amigos e inimigos de uns e de outros e todo o resto da massa humana. E não só pensam, como também pensam que pensam! E além de pensarem que pensam, pensam que têm razão! E cada um é o detentor __________ da razão! Pois de tal abundância de razão é que se faz a loucura. Os pedestres pensam que devem andar pelo meio da rua. Os motoristas pensam que devem pôr os veículos nas calçadas. Até os bondes, que mereciam a minha confiança, deram para sair dos trilhos. Os analfabetos, que deviam aprender, ensinam! Os ladrões vestemse de policiais, e saem por aí a prender os inocentes! Os revólveres, que eram considerados armas perigosas, e para os quais se olhava ....... distância, como quem contempla a Revolução Francesa ou a Guerra do Paraguai – pois os revólveres andam agora em todos os bolsos, como troco miúdo. E a vocação das pessoas, hoje em dia, não é para o diálogo com ou sem palavras, mas para balas de diversos calibres. Perto disso, a carestia da vida é um ramo de flores. O que anda mesmo caro é a alma. E o Demônio passeia pelo mundo, glorioso e impune.
(Cecília Meireles. In: Escolha o seu sonho. p.48-49.)
Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas de linhas pontilhadas do texto:
Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de nada: para se fazer alguma coisa é preciso aliar a um impulso de aventura grandes sombras de dúvida. Não se acredita mais nem na existência de gente honesta; e os bons têm medo de ____________ sua bondade, para não serem tratados de hipócritas ou de ingênuos. Chegamos a um ponto em que a virtude é ridícula e os mais vis sentimentos se mascaram de grandiosidade, simpatia, benevolência. A observação do presente levanos até a descer ........ exemplos do passado: os varões ilustres de outras eras terão sido realmente ilustres? Ou a história nos está contando as coisas ao contrário, pagando com dinheiros dos testamentos a opinião dos escribas? Caso prestarmos atenção ao que nos dizem sobre as coisas que nós mesmos presenciamos – ou temos que aceitar a mentira como a arte mais desenvolvida do nosso tempo, ou desconfiaremos do nosso próprio testemunho, e acabamos no hospício! Pois assim é, meus senhores! Prestai atenção ....... coisas que vos contam, em família, na rua, nos cafés, em várias letras de forma, e dizei-me se não estão incertos os tempos e se não devemos todos andar de pulga atrás da orelha! A minha esperança estava no fim do mundo, com anjos descendo do céu; anjos dóceis e anjos terríveis; os dóceis para ___________ os que se sentarão ......... direita de Deus, e os terríveis para os que se dirigem ao lado oposto. Mas até o fim do mundo falhou; até os profetas se enganam, a menos que as rezas dos justos tenham podido adiar a catástrofe que, afinal, seria também uma apoteose. E assim continuaremos a quebrar a cabeça com estes enigmas cotidianos. No tempo de Molière, quando um criado dava para pensar, atrapalhava tudo. Mas agora, além dos criados, pensam os patrões, as patroas, os amigos e inimigos de uns e de outros e todo o resto da massa humana. E não só pensam, como também pensam que pensam! E além de pensarem que pensam, pensam que têm razão! E cada um é o detentor __________ da razão! Pois de tal abundância de razão é que se faz a loucura. Os pedestres pensam que devem andar pelo meio da rua. Os motoristas pensam que devem pôr os veículos nas calçadas. Até os bondes, que mereciam a minha confiança, deram para sair dos trilhos. Os analfabetos, que deviam aprender, ensinam! Os ladrões vestemse de policiais, e saem por aí a prender os inocentes! Os revólveres, que eram considerados armas perigosas, e para os quais se olhava ....... distância, como quem contempla a Revolução Francesa ou a Guerra do Paraguai – pois os revólveres andam agora em todos os bolsos, como troco miúdo. E a vocação das pessoas, hoje em dia, não é para o diálogo com ou sem palavras, mas para balas de diversos calibres. Perto disso, a carestia da vida é um ramo de flores. O que anda mesmo caro é a alma. E o Demônio passeia pelo mundo, glorioso e impune.
(Cecília Meireles. In: Escolha o seu sonho. p.48-49.)
Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas de linhas pontilhadas do texto: