Como a estrela que só brilha de noite, vive Iracema em sua ...

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Q1005223 Português

                                     Iracema

                                                                                                 José de Alencar


      Iracema cantava docemente, embalando a rede para acalentar o filho.

      A areia da praia crepitou sob o pé forte e rijo do guerreiro tabajara, que vinha das bordas do mar depois da abundante pesca.

      A jovem mãe cruzou as franjas da rede, para que as moscas não inquietassem o filho acalentado, e foi ao encontro do irmão:

      - Caubi vai tornar às montanhas dos tabajaras! disse ela com brandura. O guerreiro anuviou-se:

      - Tu despedes teu irmão da cabana para que ele não veja a tristeza que a enche.

      - Araquém teve muitos filhos em sua mocidade; uns a guerra levou e morreram como valentes; outros escolheram uma esposa e geraram por sua vez numerosa prole; filhos de sua velhice, Araquém só teve dois. Iracema é a rola que o caçador tirou do ninho. Só resta o guerreiro Caubi ao velho Pajé, para suster seu corpo vergado e guiar seu passo trêmulo.

      - Caubi partirá quando a sombra deixar o rosto de Iracema. - Como a estrela que só brilha de noite, vive Iracema em sua tristeza. Só os olhos do esposo podem apagar a sombra em seu rosto. Parte, para que eles não se turvem com tua vista.

      - Teu irmão parte para te fazer a vontade; mas ele voltará todas as vezes que o cajueiro florescer para sentir em seu coração o filho de teu ventre.

      Entrou na cabana. Iracema tirou da rede a criança, e ambos, mãe e filho, palpitaram sobre o peito do guerreiro tabajara. Depois Caubi passou a porta e sumiu-se entre as árvores.

      Iracema, arrastando o passo trêmulo, o acompanhou de longe até que o perdeu de vista na orla da mata. Aí parou, quando o grito de jandaia, de envolta com o choro infantil, a chamou à cabana, a areia fria, onde esteve sentada, guardou o segredo do pranto que embebera.

      A jovem mãe suspendeu o filho à teta; mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito.

      O sangue da infeliz diluía-se todo nas lágrimas incessantes que não lhe estancavam nos olhos; pouco chegava aos seios, onde se forma o primeiro licor da vida.

      Ela dissolveu a alva carimã e preparou ao fogo o mingau para nutrir o filho. Quando o sol dourou a crista dos montes, partiu para a mata, levando ao colo a criança adormecida.

      Na espessura do bosque estava o leito da irara ausente; os tenros cachorrinhos grunhem enrolando-se uns sobre os outros. A formosa tabajara aproxima-se de manso.

      Prepara para o filho um berço da macia rama do maracujá e senta-se perto.

      Põe no regaço um por um os filhos da irara e lhes abandona os seios mimosos, cuja teta rubra como a pitanga ungia do mel da abelha. Os cachorrinhos famintos sugam os peitos avaros de leite.

      Iracema curte dor, como nunca sentiu; parece que lhe exaurem a vida; mas os seios vão-se intumescendo; apojaram afinal, e o leite, ainda rubro do sangue de que se formou, esguicha.

      A feliz mãe arroja de si os cachorrinhos, e, cheia de júbilo, mata a fome ao filho. Ele é agora duas vezes filho de sua dor, nascido dela e também nutrido.

      A filha de Araquém sentiu afinal que suas veias se estancavam; e, contudo, o lábio amargo de tristeza recusava o alimento que devia restaurar-lhe as forças.

      O gemido e o suspiro tinham crestado o sorriso e o sabor em sua boca formosa.

Como a estrela que só brilha de noite, vive Iracema em sua tristeza. Esse período expressa circunstância de
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