Em “E a vida de todo dia vai gastando insensivelmente a outr...
Distância
Em uma cidade há um milhão e meio de pessoas; em outra há outros milhões: e as cidades são tão longe uma de outra que nesta é inverno quando naquela é verão. Em cada uma dessas cidades há uma pessoa; e essas duas pessoas tão distantes acaso pensareis que podem cultivar em segredo, como plantinha de estufa, um amor a distância?
Andam em ruas tão diferentes e passam o dia falando línguas diversas; cada uma tem em torno de si uma presença constante e inumerável de olhos, vozes, notícias. Não se telefonam nunca; é tão caro, e além disso, que se diriam? Escrevem-se. Mas uma carta leva dias para chegar; ainda que venha vibrando, cálida, cheia de sentimento, quem sabe se no momento em que é lida já não poderia ter sido escrita? A carta não diz o que a outra pessoa está sentindo, diz o que sentiu na semana passada… e as semanas passam de maneira assustadora, os domingos se precipitam mal começam as noites de sábado, as segundas retornam com veemência gritando — “outra semana!” —, e as quartas já têm um gosto de sexta, e o abril de de-já-hoje quando se viu era mudado em agosto…
Sim, há uma frase na carta cheia de calor, cheia de luz, mas a vida presente é traiçoeira e os astrônomos não dizem que muita vez ficamos como patetas a ver uma linda estrela jurando pela sua existência — e, no entanto, há séculos ela se apagou na escuridão do caos, sua luz é que custou a fazer a viagem? Direis que não importa a estrela em si mesma, e sim a luz que ela nos manda — e eu vos direi: amai para entendê-las!
Ao que ama o que lhe importa não é a luz nem o som, é a própria pessoa amada mesma, o seu vero cabelo, e o vero pelo, o osso de seu joelho, sua terna e úmida presença carnal, o imediato calor; é o de hoje, o agora, o aqui — e isso não há.
Então a outra pessoa vira retratinho no bolso, borboleta perdida no ar, brisa que a testa recebe na esquina, tudo o que for eco, sombra, imagem, nada, um pequeno fantasma, e nada mais. E a vida de todo dia vai gastando insensivelmente a outra pessoa, hoje lhe tira um modesto fio de cabelo, amanhã apenas passa a unha de leve fazendo um traço branco na sua coxa queimada pelo sol, de súbito a outra pessoa entra em fading um sábado inteiro, está se gastando, perdendo seu poder emissor a distância.
Cuidais amar uma pessoa, e ao fim vosso amor é um maço de papéis escritos no fundo de uma gaveta que se abre cada vez menos… Não ameis a distância, não ameis, não ameis!
(Rubem Braga. In: 200 Crônicas Escolhidas. Editora Record, 2010.
Adaptado.)
Em “E a vida de todo dia vai gastando insensivelmente a outra pessoa, hoje lhe tira um modesto fio de cabelo, amanhã apenas passa a unha de leve fazendo um traço branco na sua coxa queimada pelo sol, de súbito a outra pessoa entra em fading um sábado inteiro, está se gastando, perdendo seu poder emissor a distância.” (5º§), a expressão destacada exprime ideia de:
Gabarito comentado
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Alternativa Correta: A - Modo
A questão aborda a compreensão de uma expressão no contexto do texto e exige que o candidato identifique a ideia expressa por essa expressão. Nesse caso, a expressão destacada é "insensivelmente", que indica a maneira como a vida do dia a dia vai "gastando a outra pessoa". Portanto, ela exprime uma ideia de modo.
Justificativa da Alternativa Correta:
A expressão "insensivelmente" descreve como a ação é realizada. No texto, sugere que a desgastante rotina do cotidiano afeta a percepção do amor de forma quase imperceptível, ou seja, de modo sutil e progressivo. Assim, essa expressão exprime uma ideia de modo, o que confirma a alternativa A como correta.
Análise das Alternativas Incorretas:
B - Ordem: Esta alternativa seria correta se a expressão indicasse uma sequência ou uma disposição, o que não é o caso. "Insensivelmente" não sugere qualquer ordem.
C - Tempo: Esta alternativa indicaria uma noção de tempo, como quando algo acontece. No entanto, "insensivelmente" não está relacionado ao tempo, mas sim ao modo.
D - Afirmação: Essa alternativa seria correta se a expressão indicasse uma confirmação ou certeza. "Insensivelmente" não afirma nada, apenas descreve como uma ação ocorre.
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