A correção semântica e gramatical do texto mantém-se com a ...

Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Q1816376 Português

Eu, Mwanito, o afinador de silêncios


    A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.

    Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.

     — Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar calado.

    Ao fim do dia, o velho se recostava na cadeira da varanda. E era assim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele sossego. Depois, ele inspirava fundo e dizia:

    — Este é o silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.

    Ficar devidamente calado requer anos de prática. Em mim, era um dom natural, herança de algum antepassado. Talvez fosse legado de minha mãe, Dona Dordalma, quem podia ter a certeza? De tão calada, ela deixara de existir e nem se notara que já não vivia entre nós, os vigentes viventes.

     —Você sabe, filho: há a calmaria dos cemitérios. Mas o sossego desta varanda é diferente. Meu pai. A voz dele era tão discreta que parecia apenas uma outra variedade de silêncio. Tossicava e a tosse rouca dele, essa, era uma oculta fala, sem palavras nem gramática.

    Ao longe, se entrevia, na janela da casa anexa, uma bruxuleante lamparina. Por certo, meu irmão nos espreitava. Uma culpa me raspava o peito: eu era o escolhido, o único a partilhar proximidades com o nosso progenitor.


(COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Fragmento adaptado.)

A correção semântica e gramatical do texto mantém-se com a sugestão apresentada em:
Alternativas

Comentários

Veja os comentários dos nossos alunos

Gabarito: C

Gabarito na alterativa C

Solicita-se indicação de nova redação que mantenha a correção semântica e gramatical:

A) “todos elegem em nós” / todos nos escolhem

Incorreta. O complemento direto da forma verbal "eleger", na passagem original, é a construção "uma centelha promissora". A substituição, do objeto direto, pelo pronominal oblíquo "nos", na nova redação, causa alteração semântica na construção.

B) “porque não há um único silêncio.” / embora não haja um único silêncio.

Incorreta. A substituição entre conjunções, respectivamente causal e concessiva, causa alteração semântica na construção.

C) “Uns nasceram para cantar”/ Há aqueles que nasceram destinados a cantar

Correta. Não são encontrados problemas de qualquer ordem na presente passagem.

D) “um território em que poderemos brilhar.” / um lugar que poderemos nos destacar.

Incorreta. Há ausência de preposição exigida pela forma verbal "destacar-se" diante do pronominal relativo "que". Correta grafia ocorreria em: "um lugar no qual poderemos" ou "um lugar em que poderemos".

Clique para visualizar este comentário

Visualize os comentários desta questão clicando no botão abaixo