A partir do tratamento dado à linguagem textual, pode-se af...
Eu, Mwanito, o afinador de silêncios
A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.
— Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar calado.
Ao fim do dia, o velho se recostava na cadeira da varanda. E era assim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele sossego. Depois, ele inspirava fundo e dizia:
— Este é o silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.
Ficar devidamente calado requer anos de prática. Em mim, era um dom natural, herança de algum antepassado. Talvez fosse legado de minha mãe, Dona Dordalma, quem podia ter a certeza? De tão calada, ela deixara de existir e nem se notara que já não vivia entre nós, os vigentes viventes.
—Você sabe, filho: há a calmaria dos cemitérios. Mas o sossego desta varanda é diferente. Meu pai. A voz dele era tão discreta que parecia apenas uma outra variedade de silêncio. Tossicava e a tosse rouca dele, essa, era uma oculta fala, sem palavras nem gramática.
Ao longe, se entrevia, na janela da casa anexa, uma bruxuleante lamparina. Por certo, meu irmão nos espreitava. Uma culpa me raspava o peito: eu era o escolhido, o único a partilhar proximidades com o nosso progenitor.
(COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009. Fragmento adaptado.)
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Comentários
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Gabarito: B
a) A função utilitária do texto é predominante e seu objetivo é explicar e justificar o silêncio do narrador.
Errado, pois predomina o texto literário, ou seja aquele que possui função estética, destina-se ao entretenimento, ao belo, à arte, à ficção. A função utilitária serve para informar, convencer, explicar, ordenar.
b)O texto apresenta uma função estética em que se pode reconhecer a relevância do plano da expressão.
GABARITO.
c) No texto em análise, o plano da expressão tem como principal objetivo veicular o conteúdo apresentado.
O plano de expressão no texto tem como principal objetivo transmitir uma ideia, através de signos, símbolos...
d)Pode-se reconhecer o caráter predominantemente denotativo do texto em uma narrativa que trata da realidade de vida do narrador.
O texto tem caráter predominantemente figurativo:
território em que poderemos brilhar -> metáfora
todo o silêncio é música em estado de gravidez -> paradoxo- símile
tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude
Eu era um afinador de silêncios -> metáfora
Uma culpa me raspava o peito -> prosopopeia
entre outros...
Não entendi. Podem me ajudar ?
Plano de expressão?Cuma?
Pelo que pesquisei, o 'plano de expressão' é um termo usado dentro da Linguística e estudos literários. Tem relação com a comparação entre um texto literário em relação a um não literário. No primeiro caso, para a construção de uma narrativa literária, observa-se o uso de uma linguagem conotativa, com a presença de signos, símbolos, trazendo uma linguagem/expressão polissêmica a algumas palavras. Por outro lado, em um texto não literário, há o uso de uma linguagem mias literal, de sentido denotativo, o que se conhece por 'plano de conteúdo'. Espero ter esclarecido. Bons estudos! Qualquer equívoco, me avisem, que corrijo.
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