Tendo em vista que o sentido simbólico é um recurso adotado ...
Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Ano: 2025
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
Câmara de Patrocínio do Muriaé - MG
Prova:
Instituto Consulplan - 2025 - Câmara de Patrocínio do Muriaé - MG - Auxiliar Administrativo |
Q3236027
Português
Texto associado
Vênus
Há seis anos, ele estava apaixonado por ela. Perdidamente. O problema – um dos problemas, porque havia outros, bem
mais graves –, o problema inicial, pelo menos, é que era cedo demais. Quando se tem vinte ou trinta anos, seis anos de paixão
pode ser muito (ou pouco, vai saber) tempo. Mas acontece que ele só tinha doze anos. Ela, um a mais. Estavam ambos naquela
faixa intermediária em que ficou cedo demais para algumas coisas, e demasiado tarde para a maioria das outras.
Ela chamava-se Beatriz. Ele chamava-se – não vem ao caso. Mas não era Dante, ainda não. Anos mais tarde, tentaria
lembrar-se de como tudo começou. E não conseguia. Não conseguiria, claramente. Voltavam sempre cenas confusas na
memória. Misturavam-se, sem cronologia, sem que ele conseguisse determinar o que teria vindo antes ou depois daquele
momento em que, tão perdidamente, apaixonou-se por Beatriz.
Voltavam principalmente duas cenas. A primeira, num aniversário, não saberia dizer de quem. Dessas festas de verão,
janelas da casa todas abertas, deixando entrar uma luz bem clara que depois empalideceria aos poucos, tingindo o céu de
vermelho, porque entardecia. Ele lembrava de um copo de guaraná, da saia de veludo da mãe – sempre ficava enroscado na
mãe, nas festas, espiando de longe os outros, os da idade dele. Lembrava do copo de guaraná, da saia de veludo (seria verde
musgo?) e do balão de gás que segurava. Então a mãe perguntou, de repente, qual a menina da festa que ele achava mais
bonita. Sem precisar pensar, respondeu:
– Beatriz.
A mãe riu, jogou para trás os cabelos – uns cabelos dourados, que nem o guaraná e a luz de verão – e disse assim:
– Credo, aquele estrelete?
Anos mais tarde, não encontraria no dicionário o significado da palavra estrelete. Mas naquele momento, ali com o balão
em uma das mãos, o guaraná na outra, cotovelos fincados no veludo (seria azul-marinho?) da saia da mãe, pensou primeiro em
estrela. Talvez por causa do movimento dos cabelos da mãe, quando tudo brilhou, ele pensou em estrela. Uma pequena estrela.
Uma estrela magrinha, meio nervosa. Beatriz tinha um pescoço longo de bailarina que a fazia mais alta que as outras meninas,
e um jeito lindo de brilhar quando movia as costas muito retas, olhando adulta em volta.
Estrelete estrelete estrelete estrelete – repetiu e repetiu até que a palavra perdesse o sentido e, reduzida a faíscas, saísse
voando junto com o balão que ele soltou, escondido atrás do taquareiro. Bem na hora que o sol sumia e uma primeira estrela
apareceu. Estrela-d’Alva, Vésper, Vênus, diziam. Diziam muitas coisas que ele ainda não entendia.
(Caio Fernando Abreu. Além do ponto e outros contos. Editora Ática. 2019.)
Tendo em vista que o sentido simbólico é um recurso adotado pelo autor para realçar uma ideia, assinale a única alternativa
em que se comprova tal exemplificação.