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Q2740273 Português

Metendo a tesoura


Ganhei de minha filha uma calça jeans realmente irada. Tão irada, que já veio rasgada, esfolada, remendada. Coisa da moda. Da moda de hoje. Talvez de ontem, coisa que começou nos anos 60.

Rubem Braga dizia que ele era do tempo em que geladeira era branca e telefone era preto. Com efeito, houve um tempo, algo entre o Mesozoico e o Paleolítico superior, em que todos os automóveis eram pretos e as etiquetas sociais eram outras. Mas ganhei esse jeans iradíssimo, surradíssimo e, contraditoriamente, novo. Lembrei-me de quando fui lecionar na Califórnia nos anos 60 (ah! Os anos 60! “those were the days, my friend, I thouught they’ll never end”) (que quer dizer – aqueles foram os dias, meu amigo, pensei que eles nunca fossem terminar) e no primeiro dia de aula causou-me surpresa ver os estudantes de bermuda na aula, mas uma bermuda toda desfiada, meio rasgada. Meninos e meninas meio molambentos, até descalços, e não eram mendigos, eram jovens californianos ricos, cheios de dentes e brilho nos olhos e na pele, falando alto e achando que o mundo era deles. E quase era. Mas muitos deles foram morrer no Vietnã.

Mas eu via aqueles garotos em plena emergência da ideologia hippie, e pensava: eles brincam de pobre porque são ricos, vai ver que nunca viram um, por isto, estão se fantasiando assim. Enfim, fazia parte da revolução de costumes, inverter papeis, subverter o sistema.

Mas o fato é que ganhei aquele jeans. Não era tão degenerado como um que vi o Ronaldinho, numa foto, usando, rasgado de propósito no joelho e que ele botou para ir a uma festa, como se estivesse de fraque. Examinei o meu jeans e dentro, costurado, havia não sei quantas etiquetas dizendo que veio do México com sofisticadas instruções de como lavar o valioso traste. Quer dizer, a moda é do “trash”, mas a gente tem que, mesmo assim, ter cuidado para não estragar o estragado. Então, o experimentei. E ficou ótimo. Cintura baixa, “muderno”. Meio esfolado, com desgaste e talhos aqui e ali.

Terei coragem? Não fica ridículo num coroa? Mas há muito que aceito, aliás, obedeço sugestões de vestuários das filhas e da mulher. Me olhei no espelho e voltei a ter 27 ou 17 anos talvez.

Mas estava sobrando quatro ou cindo dedos de pano na bainha. Tem uma loja ali na esquina que faz bainha, me lembram. Mas aí, o grande paradoxo: como e por que levar para fazer bainha num jeans desmazelado? Que hipocrisia é essa? Estou tendo de ler notícias sobre o Severino*, estou tendo que enfrentar tiroteios na Linha Vermelha. Guerra é guerra, uai! Na véspera, uma amiga disse que a filha compra roupas e, quando estão meio grandes, mete a tesoura na sobrante bainha, forçando até para que o tecido desfiasse.

Houve um tempo em que o telefone e a geladeira eram pretos e quem tivesse um fiapo na roupa morria de vergonha. Agora saímos para mostrar a descostura, o avesso, a etiqueta do fabricante, o rasgão.


Ou seja, como nas bienais, o rascunho virou obra de arte.


Affonso Romano de Sant’Anna


* Severino – Político pernambucano. Foi presidente da Câmara dos Deputados entre fevereiro e setembro de 2005, quando renunciou.

De acordo com a expressão “Houve um tempo [...]”, o enunciador desenvolve uma relação entre tempo e moda no penúltimo parágrafo. Sendo assim, é possível concluir que, para o enunciador, a moda:

Alternativas

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Vamos analisar a questão de interpretação de texto que foi apresentada. O objetivo aqui é entender como o enunciador vê a relação entre o tempo e a moda, especificamente no trecho analisado.

Enunciado: A questão pede para concluir como o enunciador percebe a moda a partir da expressão “Houve um tempo [...]”.

Alternativa Correta: A - Está em contínuo desenvolvimento

Justificativa: Ao longo do texto, o autor faz referência a diferentes épocas, como quando menciona os anos 60 e os hábitos de moda daquela época, comparando com a moda atual. A expressão “Houve um tempo” indica que as coisas mudaram, sugerindo um desenvolvimento contínuo. O texto mostra que a moda não é estática, mas sim algo que evolui com o tempo.

Vamos agora analisar as alternativas incorretas:

Alternativa B - É estática, duradoura

Por que está incorreta? O texto claramente indica mudanças ao longo do tempo. A moda dos anos 60 é comparada com a moda atual para ilustrar essa transformação. Portanto, a moda não é estática, ao contrário do que esta alternativa sugere.

Alternativa C - Apresenta apenas marca de um tempo determinado

Por que está incorreta? Embora o texto mencione modas de tempos específicos, ele também aborda como essas modas se transformam e se adaptam. Assim, a moda não se restringe a uma única época, mas sim reflete um processo de mudança contínua.

Alternativa D - É algo que não tem valor algum

Por que está incorreta? O texto não desvaloriza a moda, mas sim faz uma reflexão sobre suas mudanças e influências culturais. O autor até mesmo experimenta a moda "moderna" e reflete sobre seu significado, o que demonstra que a moda tem um valor simbólico e cultural.

Para responder questões de interpretação de texto como essa, é importante identificar as palavras-chave e as relações de tempo e mudança que o autor estabelece. Concentre-se nas pistas que o texto fornece sobre a evolução e o contexto histórico para chegar à resposta correta.

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