O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o animal
satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade está um
dos mais fundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição
humana perde substância e energia vital toda vez que se sente
plenamente confortável com a maneira como as coisas já
estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se
na acomodação.
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação
conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem
para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita,
amortece.
Um bom filme não é exatamente aquele que termina e
ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela,
enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse?
Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura,
o deixamos um pouco apoiado no colo, absortos e distantes,
pensando que não poderia terminar?
Com a vida de cada um e de cada uma também tem de
ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados.
Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se
terminado e constrangido ao possível da condição do momento.
Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas
repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais
se nasce pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto,
do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos
tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas,
não saberíamos enfrentar.
Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce
não-pronta, e vai se fazendo. Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não
convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o
escuro é claro”…
(Mario Sergio Cortella. Disponível em: https://www.contioutra.com.
Acesso em 12.01.2020)
Para o autor, quem reconhece que não nasceu sabendo