O cronista lança mão da figura de linguagem conhecida como p...

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Q1978919 Português

Atenção: Para responder à questão, leia a crônica “Tatu”, de Carlos Drummond de Andrade.


O luar continua sendo uma graça da vida, mesmo depois que o pé do homem pisou e trocou em miúdos a Lua, mas o tatu pensa de outra maneira. Não que ele seja insensível aos amavios do plenilúnio; é sensível, e muito. Não lhe deixam, porém, curtir em paz a claridade noturna, de que, aliás, necessita para suas expedições de objetivo alimentar. Por que me caçam em noites de lua cheia, quando saio precisamente para caçar? Como prover a minha subsistência, se de dia é aquela competição desvairada entre bichos, como entre homens, e de noite não me dão folga? 

Isso aí, suponho, é matutado pelo tatu, e se não escapa do interior das placas de sua couraça, em termos de português, é porque o tatu ignora sabiamente os idiomas humanos, sem exceção, além de não acreditar em audiência civilizada para seus queixumes. A armadura dos bípedes é ainda mais invulnerável que a dele, e não há sensibilidade para a dor ou a problemática do tatu.

Meu amigo andou pelas encostas do Corcovado, em noite de prata lunal, e conseguiu, por artimanhas só dele sabidas, capturar vivo um tatu distraído. É, distraído. Do contrário não o pegaria. Estava imóvel, estático, fruindo o banho de luz na folhagem, essa outra cor que as cores assumem debaixo da poeira argentina da Lua. Esquecido das formigas, que lhe cumpria pesquisar e atacar, como quem diz, diante de um motivo de prazer: “Daqui a pouco eu vou trabalhar; só um minuto mais, alegria da vida”, quedou-se à mercê de inimigos maiores. Sem pressentir que o mais temível deles andava por perto, em horas impróprias à deambulação de um professor universitário. 

      − Mas que diabo você foi fazer naqueles matos, de madrugada?

      − Nada. Estava sem sono, e gosto de andar a esmo, quando todos roncam. 

Sem sono e sem propósito de agredir o reino animal, pois é de feitio manso, mas o velho instinto cavernal acordou nele, ao sentir qualquer coisa a certa distância, parecida com a forma de um bicho. Achou logo um cipó bem forte, pedindo para ser usado na caça; e jamais tendo feito um laço de caçador, soube improvisá-lo com perícia de muitos milhares de anos (o que a universidade esconde, nas profundas camadas do ser, e só permite que venha aflorar em noite de lua cheia!).

Aproximou-se sutil, laçou de jeito o animal desprevenido. O coitado nem teve tempo de cravar as garras no laçador. Quando agiu, já este, num pulo, desviara o corpo. Outra volta no laço. E outra. Era fácil para o tatu arrebentar o cipó com a força que a natureza depositou em suas extremidades. Mas esse devia ser um tatu meio parvo, e se embaraçou em movimentos frustrados. Ou o sereno narrador mentiu, sei lá. Talvez o tenha comprado numa dessas casas de suplício que há por aí, para negócio de animais. Talvez na rua, a um vendedor de ocasião, quando tudo se vende, desde o mico à alma, se o PM não ronda perto.

Não importa. O caso é que meu amigo tem em sua casa um tatu que não se acomodou ao palmo de terra nos fundos da casa e tratou de abrigar longa escavação que o conduziu a uma pedreira, e lá faz greve de fome. De lá não sai, de lá ninguém o tira. A noite perdeu para ele seu encanto luminoso. A ideia de levá-lo para o zoológico, aventada pela mulher do caçador, não frutificou. Melhor reconduzi-lo a seu hábitat, mas o tatu se revela profundamente contrário a qualquer negociação com o bicho humano, que pensa em apelar para os bombeiros a fim de demolir o metrô tão rapidamente feito, ao contrário do nosso, urbano, e salvar o infeliz. O tatu tem razões de sobra para não confiar no homem e no luar do Corcovado.

Não é fábula. Eu compreendo o tatu. 

(Adaptado de: ANDRADE, Carlos Drummond. Os dias lindos. São Paulo: Companhia das Letras, 2013)

O cronista lança mão da figura de linguagem conhecida como personificação no seguinte trecho:
Alternativas

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A questão é de figuras de linguagem e quer que identifiquemos a alternativa em que o cronista lança mão da figura de linguagem conhecida como personificação. Vejamos:


  • Personificação: é a figura pela qual fazemos os seres inanimados ou irracionais agirem e sentirem como pessoas humanas. É um precioso recurso da expressão poética. Por meio desta figura, também chamada prosopopeia e animização, empresta-se vida e ação a seres inanimados. Ex.: A Morte roubou-lhe o filho mais querido.

A) jamais tendo feito um laço de caçador, soube improvisá-lo com perícia de muitos milhares de anos (6º parágrafo) 
ERRADO. Aqui não há personificação. Há uma hipérbole, ou seja, um exagero em “muitos milhares de anos".

B) A armadura dos bípedes é ainda mais invulnerável que a dele (2º parágrafo)
ERRADO. Aqui não há personificação. Há uma metáfora, ou seja, uma comparação em “armadura dos bípedes".

C) Sem sono e sem propósito de agredir o reino animal, pois é de feitio manso, mas o velho instinto cavernal acordou nele, ao sentir qualquer coisa a certa distância, parecida com a forma de um bicho (6º parágrafo) 
ERRADO. Aqui não há personificação.

D) o tatu ignora sabiamente os idiomas humanos, sem exceção, além de não acreditar em audiência civilizada para seus queixumes (2º parágrafo)
CERTO. Aqui o tatu, que é um animal, pensa como um humano; logo, há personificação.

E) O caso é que meu amigo tem em sua casa um tatu (8º parágrafo)
ERRADO. Aqui não há personificação.

Gabarito: Letra D

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Comentários

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personificação é utilizada para atribuir sensações, sentimentos, comportamentos, características e/ou qualidades essencialmente humanas (seres animados) aos objetos inanimados ou seres irracionais, por exemplo: O dia acordou feliz.

Gabarito: D.

por que nao é a letra D, pois em: o velho instinto cavernal acordou nele. Ora, acordar é característica humana e de outros seres vivos.

Também penso que a correta é a letra C. Velho instinto cavernal acordou nele da muito mais a ideia de personificação.

Gabarito: D

''o tatu ignora sabiamente os idiomas humanos, sem exceção, além de não acreditar em audiência civilizada para seus queixumes (2º parágrafo)''

sabedoria é atributo dado a seres humanos, mas na frase analisada está sendo adjetivo atribuído ao Tatu.

Vamos analisar o que pode ter confundido os candidatos nas alternativas anteriores.

A - jamais tendo feito um laço de caçador(locução adjetiva), soube improvisá-lo com perícia de muitos milhares de anos (6º parágrafo) 

Esta frase não possui um adjetivo qualificando um ser inanimado ou irracional com um atributo particular humano.

B - A armadura dos bípedes é ainda mais invulnerável que a dele (2º parágrafo)

O atributo aqui é uma característica perceptiva sobre a armadura dos bípedes, logo não é uma característica que se observa apenas em seres humanos.

C - Sem sono e sem propósito de agredir o reino animal, pois é de feitio manso, mas o velho instinto cavernal acordou nele, ao sentir qualquer coisa a certa distância, parecida com a forma de um bicho (6º parágrafo) 

Cavernal está sendo empregado para qualificar o substantivo instinto. Este por sua vez não é um atributo humano atribuído a um animal na frase. A mesma situação ocorre com o verbo acordar, que deixou alguns em dúvida. Ele não está sendo usado para qualificar um ser inanimado/irracional, este se refere ao homem.

E - O caso é que meu amigo tem em sua casa um tatu (8º parágrafo) - NEM TEM ADJETIVO.

Caso queiram acrescentar algum comentário estou aberta a correções.

"Nenhum sonho é grande de mais e nenhum sonhador é pequeno demais."

  • Autor desconhecido.

1. Provavelmente a letra "C" não está correta por ser algo que consegue se aderir à essência humana (racionalidade). O trecho do texto ficou mais como uma adjetivação do termo "nele", uma qualidade humana daquele personagem. Todavia, há margem para erro.

2. Já na letra "D", a personificação é bem direta para com o tatu (ser irracional), o qual não teria como realizar as ações ditas em seguida: "ignorar sabiamente..."; "acreditar em audiências...."

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