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Q47577 Português
LEITE DERRAMADO (Chico Buarque)

Não sei por que você não me alivia a dor. Todo dia a senhora levanta a persiana com bruteza e joga sol no meu rosto. Não sei que graça pode achar nos meus esgares, é uma pontada cada vez que respiro. Às vezes aspiro fundo e encho os pulmões de um ar insuportável, para ter alguns segundos de conforto, expelindo a dor. Mas bem antes da doença e da velhice, talvez minha vida já fosse um pouco assim, uma dorzinha chata a me espetar o tempo todo e de repente uma lambada atroz. E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida.
[...]
Eu próprio poderia arcar com viagem e tratamento no estrangeiro, se o seu marido não me tivesse arruinado. Poderia me estabelecer no estrangeiro, passar o resto dos meus dias em Paris. Se me desse na veneta, poderia morrer na mesma cama do Ritz onde dormi quando menino. Porque nas férias de verão o seu avô, meu pai, sempre me levava à Europa de vapor. Mais tarde, cada vez que eu via um deles ao largo, na rota da Argentina, chamava sua mãe e apontava: lá vai Arlanza!, o Cap Polonio!, o Lutétia!, enchia a boca para contar como era um transatlântico por dentro. Sua mãe nunca tinha visto um navio de perto, depois de casada ela mal saía de Copacabana. E quando lhe anunciei que iríamos em breve ao cais do porto, para receber o engenheiro francês, ela se fez de rogada. Porque você era recém-nascida, e ela não podia largar a criança e coisa e tal, mas logo tomou o bonde para cidade e cortou os cabelos à la garçonne.
[...]
E quando vi sua mãe naquele estado, falei, você não vai. Por quê, ela perguntou com voz fina, e não lhe dei satisfação, peguei meu chapéu e saí. Nem parei para pensar de onde vinha a minha raiva repentina, só senti que era alaranjada a raiva cega que tive da alegria dela. E vou deixar de falação porque a dor só faz piorar.

(Fonte: BUARQUE, Chico. Leite derramado. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 10-12)


O texto apresenta premissas que possibilitam observarmos que ele está fundamentado no raciocínio lógico:
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Em lógica, existem três tipos de raciocínio:
1-Dedução 2-Indução 3-Abdução
1-Dedução corresponde a determinar a conclusão. Utiliza-se da regra (..."é uma pontada cada vez que respiro") e sua premissa  - s.f. Ideia ou fato inicial de que se parte para formar um raciocínio ("E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida") para chegar a uma conclusão ("E vou deixar de falação porque a dor só faz piorar").
Exemplo: "Quando chove, a grama fica molhada. Choveu hoje. Portanto, a grama está molhada." É comum associar os matemáticos com este tipo de raciocínio.
2-Indução é determinar a regra. É aprender a regra a partir de diversos exemplos de como a conclusão segue da premissa. Exemplo: "A grama ficou molhada todas as vezes em que choveu. Então, se chover amanhã, a grama ficará molhada." É comum associar os cientistas com este estilo de raciocínio.
3-Abdução significa determinar a premissa. Usa-se a conclusão e a regra para defender que a premissa poderia explicar a conclusão. Exemplo: "Quando chove, a grama fica molhada. A grama está molhada, então pode ter chovido." Associa-se este tipo de raciocínio aos diagnosticistas e detetives.

Em raciocínio Lógico

D - dedução = determina a concusão

I - indução = determina a regra

A - abdução = determina a premisa a partir da regra e conclusão

Algumas palavras nos levam a deduzir que poderia ser diferente a vida para ele.

TODO => EU PRÓPRIO

GERAL=> PARTICULAR

Dedução é a inferência lógica de um raciocínio, a conclusão ou a ilação. No caso de metodologia, não significa a retirada de uma parte de algo, ou seja, a diminuição ou a subtração, que se relacionaria mais à abstração em relação à realidade. A dedução pode ser vista também como uma enumeração detalhada em processo de raciocínio através do qual é possível, partindo de uma ou mais premissas aceitas como verdadeiras (p.ex., A é igual a B e B é igual a C), a obtenção de uma conclusão necessária e evidente (no ex. anterior, A é igual a C). Em julgamentos, obtém-se uma dedução do júri e/ou do juiz através da exposição ordenada de argumentos para embasar solicitação, contestação, acusação etc.

Quando ele diz que : Eu próprio poderia arcar com viagem e tratamento no estrangeiro;

Poderia me estabelecer no estrangeiro,

poderia morrer na mesma cama do Ritz e por fim

Nem parei para pensar de onde vinha a minha raiva repentina, só senti que era alaranjada a raiva cega que tive da alegria dela.

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