O texto apresenta premissas que possibilitam observarmos que...
Não sei por que você não me alivia a dor. Todo dia a senhora levanta a persiana com bruteza e joga sol no meu rosto. Não sei que graça pode achar nos meus esgares, é uma pontada cada vez que respiro. Às vezes aspiro fundo e encho os pulmões de um ar insuportável, para ter alguns segundos de conforto, expelindo a dor. Mas bem antes da doença e da velhice, talvez minha vida já fosse um pouco assim, uma dorzinha chata a me espetar o tempo todo e de repente uma lambada atroz. E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida.
[...]
Eu próprio poderia arcar com viagem e tratamento no estrangeiro, se o seu marido não me tivesse arruinado. Poderia me estabelecer no estrangeiro, passar o resto dos meus dias em Paris. Se me desse na veneta, poderia morrer na mesma cama do Ritz onde dormi quando menino. Porque nas férias de verão o seu avô, meu pai, sempre me levava à Europa de vapor. Mais tarde, cada vez que eu via um deles ao largo, na rota da Argentina, chamava sua mãe e apontava: lá vai Arlanza!, o Cap Polonio!, o Lutétia!, enchia a boca para contar como era um transatlântico por dentro. Sua mãe nunca tinha visto um navio de perto, depois de casada ela mal saía de Copacabana. E quando lhe anunciei que iríamos em breve ao cais do porto, para receber o engenheiro francês, ela se fez de rogada. Porque você era recém-nascida, e ela não podia largar a criança e coisa e tal, mas logo tomou o bonde para cidade e cortou os cabelos à la garçonne.
[...]
E quando vi sua mãe naquele estado, falei, você não vai. Por quê, ela perguntou com voz fina, e não lhe dei satisfação, peguei meu chapéu e saí. Nem parei para pensar de onde vinha a minha raiva repentina, só senti que era alaranjada a raiva cega que tive da alegria dela. E vou deixar de falação porque a dor só faz piorar.
(Fonte: BUARQUE, Chico. Leite derramado. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 10-12)
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Em raciocínio Lógico
D - dedução = determina a concusão
I - indução = determina a regra
A - abdução = determina a premisa a partir da regra e conclusão
Algumas palavras nos levam a deduzir que poderia ser diferente a vida para ele.
TODO => EU PRÓPRIO
GERAL=> PARTICULAR
Dedução é a inferência lógica de um raciocínio, a conclusão ou a ilação. No caso de metodologia, não significa a retirada de uma parte de algo, ou seja, a diminuição ou a subtração, que se relacionaria mais à abstração em relação à realidade. A dedução pode ser vista também como uma enumeração detalhada em processo de raciocínio através do qual é possível, partindo de uma ou mais premissas aceitas como verdadeiras (p.ex., A é igual a B e B é igual a C), a obtenção de uma conclusão necessária e evidente (no ex. anterior, A é igual a C). Em julgamentos, obtém-se uma dedução do júri e/ou do juiz através da exposição ordenada de argumentos para embasar solicitação, contestação, acusação etc.
Quando ele diz que : Eu próprio poderia arcar com viagem e tratamento no estrangeiro;
Poderia me estabelecer no estrangeiro,
poderia morrer na mesma cama do Ritz e por fim
Nem parei para pensar de onde vinha a minha raiva repentina, só senti que era alaranjada a raiva cega que tive da alegria dela.
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