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Q649845 Português

                                                          Desenredo

       Do narrador seus ouvintes: 

       -  Jó Joaquim, cliente, era quieto, respeitado, bom como o cheiro de cerveja. Tinha o para não ser célebre. Como elas quem pode, porém? Foi Adão dormir e Eva nascer. Chamando-se Livíria, Rivília ou Irlívia, a que, nesta observação, a Jó Joaquim apareceu.

      Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Aliás, casada. Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se. Voando o mais em ímpeto de nau tangida a vela e vento. Mas tendo tudo de ser secreto, claro, coberto de sete capas.

     Porque o marido se fazia notório, na valentia com ciúme; e as aldeias são a alheia vigilância. Então ao rigor geral os dois se sujeitaram, conforme o clandestino amor em sua forma local, conforme o mundo é mundo. Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.

     Não se via quando e como se viam. Jó Joaquim, além disso, existindo só retraído, m inuciosam ente. E sperar é reconhecer-se incompleto. Dependiam eles de enorme milagre. O inebriado engano.

     Até que deu-se o desmastreio. O trágico não vem a conta-gotas. Apanhara o marido a mulher: com outro, um terceiro... Sem mais cá nem mais lá, mediante revólver, assustou-a e matou-o. Diz-se, também, que a ferira, leviano modo.

    [...]

    Ela - longe - sempre ou ao máximo mais formosa, já sarada e sã. Ele exercitava-se a aguentar-se, nas defeituosas emoções.

    Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim é impossível? Azarado fugitivo, e como à Providência praz, o marido faleceu, afogado ou de tifo. O tempo é engenhoso.

    [...]  

    Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os tempos se seguem e parafraseiam-se. Deu-se a entrada dos demônios.

    Da vez, Jó Joaquim foi quem a deparou, em péssima hora: traído e traidora. De amor não a matou, que não era para truz de tigre ou leão. Expulsou-a apenas, apostrofando-se, como inédito poeta e homem. E viajou a mulher, a desconhecido destino.

    Tudo aplaudiu e reprovou o povo, repartido. Pelo fato, Jó Joaquim sentiu-se histórico, quase criminoso, reincidente. Triste, pois que tão calado. Suas lágrimas corriam atrás dela, como formiguinhas brancas. Mas, no frágio da barca, de novo respeitado, quieto. Vá-se a camisa, que não o dela dentro. Era o seu um amor meditado, a prova de remorsos. Dedicou-se a endireitar-se.

    [...] Celebrava-a, ufanático, tendo-a por justa e averiguada, com convicção manifesta. Haja o absoluto amar- e qualquer causa se irrefuta.

    Pois produziu efeito. Surtiu bem. Sumiram-se os pontos das reticências, o tempo secou o assunto. Total o transato desmanchava-se, a anterior evidência e seu nevoeiro. O real e válido, na árvore, é a reta que vai para cima. Todos já acreditavam. Jó Joaquim primeiro que todos.

    Mesmo a mulher, até, por fim. Chegou-lhe lá a notícia, onde se achava, em ignota, defendida, perfeita distância. Soube-se nua e pura. Veio sem culpa. Voltou, com dengos e fofos de bandeira ao vento.

    Três vezes passa perto da gente a felicidade. Jó Joaquim e Vilíria retomaram-se, e conviveram, convolados, o verdadeiro e melhor de sua útil vida.

    E pôs-se a fábula em ata.


ROSA, João Guimarães. Tutameia - Terceiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. p. 38-40.

Vocabulário

frágio: neologismo criado a partir de naufrágio, ufanático: neologismo: ufano+fanático.

Assinale a alternativa em que o vocábulo destacado resulta de derivação parassintética.
Alternativas

Comentários

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(Gabarito B) - Pestana (2012) = Parassintética (Circunfixação) = A derivação parassintética ocorre quando há acréscimo simultâneo de prefixo e de sufixo a uma palavra primitiva (substantivo ou adjetivo). Como diz Margarida Basílio (no excelente texto Teoria Lexical), “nem todas as palavras que apresentam prefixo e sufixo em sua formação devem ser consideradas como de formação parassintética”.
Normalmente a parassíntese forma verbos (1). Há, entretanto, alguns nomes adjetivos (2) formados por derivação parassintética. Veja:
1) envelhecer (en + velho + ecer), aterrar (a + terra + ar), abençoar (a + bênção + ar), amanhecer (a + manhã + ecer), apedrejar (a + pedra + ejar), esfoliar (es + fólio + ar), embarcar (em + barco + ar), emagrecer (e + magro + ecer), amamentar (a + mama + entar), desterrar (des + terra + ar), emudecer (e + mudo + ecer), apadrinhar (a + padrinho + ar) etc.

Dica: Parassintética prefixo + radical + sufixo ; tirando o prefixo ou o sufixo e destruir a palavra, será então parassintética.

 

GABARITO B

 

 

Pessoal, atenção para a derivação prefixal e sufixal, da pra confundir muito com a parassintética. A primeira continua existindo caso se retire o prefixo ou sufixo do radical. Já a segunda (parassintética) não existe sem seu radical ou sufixal, ela "morre". Vamos lá:

 


* Derivação prefixal e sufixal

Consiste na formação de uma nova palavra a partir do acréscimo simultâneo de um prefixo e de um sufixo ao radical.


ex.:

desigualdade  --> desigual / igual / igualdade
infelizmente  --> infeliz / feliz / felizmente
desvalorização  --> desvalor / valor / valorização

 


* Derivação parassintética

Consiste também no acréscimo de um prefixo e um sufixo ao radical, de modo a fazer com que a palavra não exista apenas com um ou com o outro. Representa um processo que dá origem principalmente a verbos, obtidos a partir de substantivos e adjetivos.

 

ex.:

abençoar – bênção
amanhecer - manhã
amaldiçoar – maldição
enrijecer – rijo
enlouquecer – louco
entristecer – triste

 

 

bons estudos

 

PM PB BORAH

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