Nos versos do poema “Açúcar” (5) “Vejo-o puro”. (6) “e afáve...
O AÇÚCAR
1 O branco açúcar que adoçará meu café
2 nesta manhã de Ipanema
3 não foi produzido por mim
4 nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
5 Vejo-o puro
6 e afável ao paladar
7 como beijo de moça, água
8 na pele, flor
9 que se dissolve na boca. Mas este açúcar
10 não foi feito por mim.
11 Este açúcar veio
12 da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
13 dono da mercearia.
14 Este açúcar veio
15 de uma usina de açúcar em Pernambuco
16 ou no Estado do Rio
17 e tampouco o fez o dono da usina.
18 Este açúcar era cana
19 e veio dos canaviais extensos
20 que não nascem por acaso
21 no regaço do vale.
22 Em lugares distantes, onde não há hospital
23 nem escola,
24 homens que não sabem ler e morrem de fome
25 aos 27 anos
26 plantaram e colheram a cana
27 que viraria açúcar.
28 Em usinas escuras,
29 homens de vida amarga e dura
30 produziram este açúcar branco e puro
31 com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Ferreira Gullar, Disponível em < https://www.tudoepoema.com.br/ferreira-gullar-o-acucar/>, 04/07/2020.