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TEXTO 3

DIAS DE GUERRA

Marina Manda Lembranças
Quinta-Feira, 3 de Março de 2022

     Escrevo na terça-feira, portanto impedida de saber qual será a evolução do ataque da Rússia contra a Ucrânia.
    Passei cinco anos na guerra. Mas não presenciei bombardeios como aqueles a que estão sendo submetidos os ucranianos. Somente uma vez assisti a um bombardeio, mas na varanda do nosso chalé e protegida pelos braços da minha mãe.
    Conto como isso aconteceu.
    Estava com minha prima na estação esperando o trenzinho que nos levaria para Como, que ficava a vinte minutos de distância, para tomarmos aulas de piano.
    Mas antes do trem chegar, apareceu um bando de bombardeiros em formação de ataque. Havia, perto da estação, uma base de treinamento para jovens oficiais da aeronáutica. Os camisas azuis debandaram, pensando que os bombardeiros estavam destinados a eles. Não estavam.
    Minha prima ordenou: “Você volta para casa!” Ela ficaria esperando o trem e seguiria para Como.
    Fui correndo. E comecei a chorar assim que senti o chão estremecer debaixo dos meus pés. Era muita distância e nosso chalé ficava numa encosta, o que me obrigou a subir a ladeira enquanto chorava. Lembro que apelava à minha mãe, que viesse me salvar, embora ela não soubesse que só minha prima tinha ido para Como e eu estava subindo o declive aos prantos.
    Depois, eu amparada no colo da minha mãe, nossa família ficou olhando estarrecida uma cidade próxima pegar fogo. A espionagem dos aliados tinha descoberto que, embaixo daquela cidade havia um depósito de combustível ou de munições. A maioria dos civis moradores da cidade, que a eles parecia calma e pacífica, morreu no incêndio. Aquele bombardeio foi uma carnificina.
    Olho as fotos dos ucranianos refugiados em bunkers e recordo que, quando ainda morávamos em Como, nosso pai nunca permitiu que nos refugiássemos em abrigos que, entretanto, pareciam seguros. Estava certo de que os bombardeios, quando acontecessem, romperiam as tubulações e libertariam as águas do lago de Como, cantado em prosa e verso pelos autores românticos. E nós morreríamos afogados. “A morrer como ratos – dizia – prefiro morrer de pé”.
    Cerca de um ano depois da guerra terminar, viajei de ônibus com minha mãe, meu irmão e nossa prima, tentando alcançar a costa adriática que havia sido nosso refúgio. Através das janelas empoeiradas vi muita destruição. Vi tanques e trens destroçados, lavouras com buracos enormes, provocados por obuses ou bombardeios. O mundo ao meu redor parecia ser uma ruína só.
    E finalmente atravessamos Milão. Quando morávamos no chalé, olhava o horizonte e sempre via uma coluna de fumaça. Era Milão, centro da indústria italiana, que estava sendo bombardeada. Este tipo de bombardeio constante se chamava “em tapete”, ignoro qual seja o nome disso em português.
    Atravessamos Milão quando já começava a escurecer. Vi edifícios desventrados, alguns com retratos pendurados nas paredes, outros com a marca de escadas agora inexistentes, outros ainda com ladrilhos onde ficava a cozinha e parte dos armários destroçados. Esses edifícios esvaziados de todos os seus andares, só as paredes em pé, foram os que mais impressionaram meus olhos de criança.
    Milão estava toda destruída.
    Dormimos num hotel sórdido, a cama cheia de percevejos.
    Na manhã seguinte voltamos ao ônibus, onde tínhamos nossos lugares e já nos sentíamos amparados.
    Que alívio!, quando vislumbrei pela janela entreaberta a primeira nesga de mar, espremida entre duas construções.
    Havia chegado ao meu lugar.

https://www.marinacolasanti.com/2022/03/dias-de-guerra.html Último acesso em 23/05/2022 
Em “Minha prima ordenou: “Você volta para casa!” Ela ficaria esperando o trem e seguiria para Como.”, o uso das aspas se justifica porque o termo em destaque representa um discurso:
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