Evidencia uma metonímia a expressão presente em
Leia com atenção o texto a seguir para responder às questões de 10 a 14.
TEXTO:
O empréstimo
Esse Custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho. Tinha o instinto
das elegâncias, o amor do supérfluo, da boa chira, das belas damas, dos tapetes finos, dos móveis
raros, um voluptuoso, e, até certo ponto, um artista, capaz de reger a vila Torloni ou a galeria Hamilton.
Mas não tinha dinheiro; nem dinheiro, nem aptidão ou pachorra de o ganhar; por outro lado, precisava
5 viver. [Decidiu, portanto, pedir dinheiro emprestado 5 ao tabelião]:
– O negócio é excelente, note-se bem; um negócio magnífico. Nem eu me metia a incomodar
os outros sem certeza do resultado. A coisa está pronta; foram já encomendas para a Inglaterra; e é
provável que dentro de dois meses esteja tudo montado, é uma indústria nova. Somos três sócios,
a minha parte são cinco contos. Venho pedir-lhe esta quantia, a seis meses, ou a três, com juro
10 módico...
– Mas, Sr. Custódio, não disponho de tão grande quantia. Os negócios andam mal; e ainda que
andassem muito bem, não poderia dispor de tanto. Quem é que pode esperar cinco contos de um
modesto tabelião de notas?
Nem vinte mil-réis! Era impossível que não levasse ali vinte mil-réis, pensava ele; não diria
15 duzentos, mas vinte, dez que fossem. . .
– Pronto! disse-lhe Vaz Nunes, com o chapéu na cabeça.
Era o fatal instante. Nenhuma palavra do tabelião, um convite ao menos, para jantar; nada;
findara tudo. Mas os momentos supremos pedem energias supremas. Custódio sentiu toda a força
deste lugar-comum, e, súbito, como um tiro, perguntou ao tabelião se não lhe podia dar ao menos dez
20 mil-réis.
– Quer ver?
E o tabelião desabotoou o paletó, tirou a carteira, abriu-a, e mostrou-lhe duas notas de cinco
mil-réis.
– Não tenho mais, disse ele; o que posso fazer é reparti-los com o senhor; dou-lhe uma de cinco,
25 e fico com a outra; serve-lhe?
Custódio aceitou os cinco mil-réis, não triste, ou de má cara, mas risonho, palpitante, como se
viesse de conquistar a Ásia Menor. Era o jantar certo. Estendeu a mão ao outro, agradeceu-lhe o
obséquio, despediu-se até breve, um até breve cheio de afirmações implícitas. Depois saiu; o pedinte
esvaiu-se à porta do cartório; o general é que foi por ali abaixo, pisando rijo, encarando fraternalmente
30 os ingleses do comércio que subiam a rua para se transportarem aos arrabaldes. Nunca o céu lhe
pareceu tão azul, nem a tarde tão límpida; todos os homens traziam na retina a alma da hospitalidade.
Com a mão esquerda no bolso das calças, ele apertava amorosamente os cinco mil-réis, resíduo de
uma grande ambição, que ainda há pouco saíra contra o sol, num ímpeto de águia, e ora habita
modestamente as asas de frango rasteiro.
ASSIS, Machado de. O empréstimo. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 1994. V. II. Disponível em: <www.bibvirt.futuro.usp.br>.
Acesso em: 17 ago. 2013. Adaptado.
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