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Q1072409 Português

                                   A cerimônia do adeus


      A primeira vez que eu me apaixonei eu tinha 6 anos. O nome dela era Julie Angulo (pronunciava-se julí angulô). Diziam que ela era superdotada. Chegou no nosso ano porque tinha pulado o ano anterior. Por ser um ano mais nova, era do meu tamanho.

      Só passou um ano entre nós mortais — logo pulou de ano outra vez e disparou como uma flecha em direção ao futuro. Acho que ela fez a escola inteira assim, brincando de amarelinha com o tempo. Eu, que fiquei preso no meu ano pra sempre, às vezes me pergunto onde ela está, se continua pulando os anos da vida e hoje em dia é bisavó, ou se escolheu um ano bom e resolveu ficar por lá.

      Aos 8 anos, me apaixonei pela Fanny Moffette (pronuncia-se faní moféte). Ela era canadense e tinha os cabelos brancos de tão amarelos e olhos cinzas de tão azuis. Tinha uns dez centímetros a mais que eu — dez centímetros aos 8 anos equivale a 80 centímetros hoje em dia.

      Um dia, descobriram que eu gostava dela. Começaram a cantar a velha canção, se é que se pode chamá-la assim, posto que só tem uma nota: “tá namoran-do, tá namoran-do”.

Ela teve uma reação, digamos, inusitada: pegou a minha cabeça e começou a bater com ela no chão para provar que a gente não estava namorando, que a gente nunca tinha namorado, que a gente nunca iria namorar. Gritava: “nunca, nunca”, enquanto batia com a minha cabeça no chão. As pessoas riam. Até que perceberam que a minha testa começou a sangrar.

      Aos 11 anos me apaixonei pela Alice. Ficamos meio amigos numa época em que a amizade entre meninos e meninas era tão rara quanto entre israelenses e palestinos. Alice me contava, não por sadismo, mas por ignorância, dos garotos que ela achava “gatos”. Um dia, me disse que tinha dado o primeiro beijo. Dei um abraço nela, “parabéns!”, e acho que fui chorar no banheiro.

      “A vida é uma longa despedida de tudo aquilo que a gente ama”, meu pai sempre repete (mas a frase é do Victor Hugo). Todos os amores terminam — alguns amigavelmente, chorando no banheiro, outros com humilhação pública e sangue na testa, outros com a morte. “Para isso temos braços longos, para os adeuses.”

      Alice se casou e eu estava lá, felizão. Fanny veio me pedir desculpas pelas porradas na cabeça. Somos muito amigos — no Facebook.

      Tem uma hora — e dizem que essa hora sempre chega — que para de doer. A parte chata é que, até parar de doer, parece que não vai parar de doer nunca.

      “Nunca! Nunca!” gritava a Fanny.

DUVIVIER, Gregório. Cerimônia do adeus. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 dez. 2014. FOLHAPRESS. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2014/12/ 15590 17- a cerimonia-do-adeus.shtml.

Considere as seguintes afirmações sobre aspectos da construção do texto:

I. Na frase "Alice SE casou e eu estava lá, felizão.”, o termo destacado tem valor condicional.

II. Atentando para o uso do sinal indicativo de crase, o A, antes de SANGRAR, em “Até que perceberam que a minha testa começou a sangrar.”, deveria ser acentuado.

III. Na frase, "Ela TEVE uma reação, digamos, inusitada: pegou a minha cabeça e começou a bater com ela no chão”, o verbo, de acordo com a regência verbal, é transitivo direto.

Está correto apenas o que se afirma em:

Alternativas

Comentários

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Gab-D

I-ERRADA- caso de próclise

II- ERRADA- não há crase antes de verbos

III- CERTA- quem "TEVE" teve alguma coisa- Ela teve oque (ela teve uma reação....)

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