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Q2907150 Português

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O troco


Na esquina da Sete de Abril com a Bráulio Gomes, o cafezinho era ótimo, e eu não deixava de saboreá-lo sempre que andava nas proximidades. Naquela tarde, lá estava eu, como de costume, esperando no balcão pelo meu puro-sem-açúcar, quando reparei no garoto parado do lado de fora. Teria uns doze anos, e a roupa surrada, grande demais, sobrava no seu corpo magrinho. Seus olhos escuros e tristes passavam de um freguês para outro, até que se detiveram em mim. Ele aproximou-se timidamente e disse baixinho:

– A senhora podia me comprar um sanduíche?

Eu até lhe compraria o sanduíche, mas aquele lugar era um balcão de bar, não uma sanduicheria!

– Sinto muito, aqui não vendem sanduíches, menino – falei.

Mas o garoto retrucou de pronto:

– Eu sei, mas tem lá na frente! – E indicou uma lanchonete do outro lado da rua, na esquina da Marconi.

– Espere um momento – falei e abri a bolsa à procura de uns trocados para o tal sanduíche, que devia custar dois ou três cruzeiros (o cruzeiro era a moeda brasileira até 1994, quando foi substituído pelo real). Só que a menor nota que encontrei na carteira era uma grandinha, de cinquenta cruzeiros; muito mais que o necessário. Mas o garoto era tão subnutrido, tinha uma carinha tão triste, que lhe estendi a nota de cinquenta, pensando: “Ele bem que precisa, isto lhe dará para muitos sanduíches, bom proveito!”. E voltei-me para o cafezinho que acabava de chegar, já esquecida do menino que saíra correndo, sem mesmo um “muito obrigado”.

O cafezinho estava bom, bem quente, e eu, degustando-o devagarinho, ainda estava no meio da xícara, quando de repente aquele menino surgiu diante de mim, com o sanduíche numa mão e algumas notas de dinheiro na outra, que ele me estendeu, muito sério:

– O seu troco, dona!

E como eu ficasse parada, sem reagir – de surpresa –, ele meteu o dinheiro na minha mão, resoluto, e então sorriu:

– Muito obrigado!

E foi-se embora, rápido, antes que eu pudesse dizer-lhe “fique com o troco”, como era a minha vontade.

É verdade que eu podia ter ido atrás dele, podia tê-lo chamado, mas algo me disse, lá no meu íntimo, que eu não devia fazer isso. Devia mais era aceitar a dignidade com que aquela criança pobre não abusou do meu gesto, que, evidentemente, entendeu não como uma esmola, mas como uma prova de confiança na sua correção...

(BELINKY, Tatiana. . Editora Moderna: 2004)

O fato que inspirou a autora a escrever o texto não ocorreu recentemente. Assinale a alternativa que confirma essa afirmação.

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