Os travessões, utilizados em “(...) Toda manhã – ia pensando...
Um peixe
Virou a capanga de cabeça para baixo, e os
peixes espalharam-se pela pia. Ele ficou olhando, e
foi então que notou que a traíra ainda estava viva. Era
o maior peixe de todos ali, mas não chegava a ser
grande: pouco mais de um palmo. Ela estava
mexendo, suas guelras mexiam-se devagar, quando
todos os outros peixes já estavam mortos. Como que
ela podia durar tanto tempo assim fora d'água?...
Teve então uma ideia: abrir a torneira, para ver o que acontecia. Tirou para fora os outros peixes: lambaris, chorões, piaus; dentro do tanque deixou só a traíra. E então abriu a torneira: a água espalhou-se e, quando cobriu a traíra, ela deu uma rabanada e disparou, ele levou um susto – ela estava muito mais viva do que ele pensara, muito mais viva. Ele riu, ficou alegre e divertido, olhando a traíra, que agora tinha parado num canto, o rabo oscilando de leve, a água continuando a jorrar da torneira. Quando o tanque se encheu, ele fechou-a.
– E agora? – disse para o peixe. – Quê que eu faço com você?...
Enfiou o dedo na água: a traíra deu uma corrida, assustada, e ele tirou o dedo depressa.
– Você tá com fome?... E as minhocas que você me roubou no rio? Eu sei que era você; devagarzinho, sem a gente sentir... Agora está aí, né?... Tá vendo o resultado?...
O peixe, quieto num canto, parecia escutar.
Podia dar alguma coisa para ele comer. Talvez pão. Foi olhar na lata: havia acabado. Que mais? Se a mãe estivesse em casa, ela teria dado uma ideia – a mãe era boa para dar ideias. Mas ele estava sozinho. Não conseguia lembrar de outra coisa. O jeito era ir comprar um pão na padaria. Mas sujo assim de barro, a roupa molhada, imunda? – Dane-se – disse, e foi.
Era domingo à noite, o quarteirão movimentado, rapazes no footing , bares cheios. Enquanto ele andava, foi pensando no que acontecera. No começo fora só curiosidade; mas depois foi bacana, ficou alegre quando viu a traíra bem viva de novo, correndo pela água, esperta. Mas o que faria com ela agora? Matá-la, não ia; não, não faria isso. Se ela já estivesse morta, seria diferente; mas ela estava viva, e ele não queria matá-la. Mas o que faria com ela? Poderia criá-la; por que não? Havia o tanquinho do quintal, tanquinho que a mãe uma vez mandara fazer para criar patos. Estava entupido de terra, mas ele poderia desentupi-lo, arranjar tudo; ficaria cem por cento. É, é isso o que faria. Deixaria a traíra numa lata d'água até o dia seguinte e, de manhã, logo que se levantasse, iria mexer com isso.
Enquanto era atendido na padaria, ficou olhando para o movimento, os ruídos, o vozerio do bar em frente. E então pensou na traíra, sua trairinha, deslizando silenciosamente no tanque da pia, na casa escura. Era até meio besta como ele estava alegre com aquilo. E logo um peixe feio como traíra, isso é que era o mais engraçado.
Toda manhã – ia pensando, de volta para casa
– ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão
para ela. Além disso, arrancaria minhocas, e de vez
em quando pegaria alguns insetos. Uma coisa que
podia fazer também era pescar depois outra traíra e
trazer para fazer companhia a ela; um peixe sozinho
num tanque era algo muito solitário.
A empregada já havia chegado e estava no portão, olhando o movimento. – Que peixada bonita você pegou...
– Você viu?
– Uma beleza... Tem até uma trairinha.
– Ela foi difícil de pegar, quase que ela escapole; ela não estava bem fisgada.
– Traíra é duro de morrer, hem?
– Duro de morrer?... Ele parou.
– Uai, essa que você pegou estava vivinha na hora que eu cheguei, e você ainda esqueceu o tanque cheio d'água... Quando eu cheguei, ela estava toda folgada, nadando. Você não está acreditando? Juro. Ela estava toda folgada, nadando.
– E aí?
–Aí? Uai, aí eu escorri a água para ela morrer; mas você pensa que ela morreu? Morreu nada! Traíra é duro de morrer, nunca vi um peixe assim. Eu soquei a ponta da faca naquelas coisas que faz o peixe nadar, sabe? Pois acredita que ela ainda ficou mexendo? Aí eu peguei o cabo da faca e esmaguei a cabeça dele, e foi aí que ele morreu. Mas custou, ô peixinho duro de morrer! Quê que você está me olhando?
– Por nada.
– Você não está acreditando? Juro; pode ir lá na cozinha ver: ela está lá do jeitinho que eu deixei. Ele foi caminhando para dentro.
– Vou ficar aqui mais um pouco
– disse a empregada.
– depois vou arrumar os peixes, viu?
– Sei.
Acendeu a luz da sala. Deixou o pão em cima da mesa e sentou-se. Só então notou como estava cansado.
(VILELA, Luiz. . O violino e outros contos 7ª ed. São Paulo: Ática, 2007. p. 36-38.)
VOCABULÁRIO:
Capanga: bolsa pequena, de tecido, couro ou plástico, usada a tiracolo.
Footing :passeio a pé, com o objetivo de arrumar namorado(a).
Guelra: estrutura do órgão respiratório da maioria dos animais aquáticos.
Vozerio: som de muitas vozes juntas.
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Gabarito comentado
Confira o gabarito comentado por um dos nossos professores
Alternativa correta: B
Os travessões utilizados em "Toda manhã – ia pensando, de volta para casa – ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela" têm a finalidade de isolar um enunciado intercalado em outro enunciado.
Vamos entender melhor:
Os travessões são sinais de pontuação que possuem diversas funções dentro de um texto. No caso específico dessa questão, eles estão sendo usados para isolar uma informação adicional que interrompe o fluxo normal da frase. Esta estrutura é comum quando o autor deseja adicionar um comentário ou uma observação dentro do enunciado principal, sem quebrar a continuidade do pensamento.
Explicação da alternativa correta (B): Os travessões são utilizados para isolar um enunciado intercalado. Neste caso, a frase "ia pensando, de volta para casa" está inserida no meio da frase principal "Toda manhã ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela". A função dos travessões aqui é análoga à das vírgulas ou dos parênteses, mas com a finalidade de dar um destaque maior ao enunciado intercalado.
Análise das alternativas incorretas:
Alternativa A: Os travessões não são usados para indicar a fala de personagens secundárias. Essa função é geralmente atribuída às aspas ou, em diálogos diretos, a um travessão inicial.
Alternativa C: Embora os travessões possam destacar passagens importantes, sua função principal neste contexto é isolar o enunciado intercalado, não destacar uma passagem essencial ao desenvolvimento do texto.
Alternativa D: A afirmação de que os travessões servem para continuar o texto de forma intrigante e misteriosa não está correta. Essa função é mais subjetiva e não se aplica a todas as situações em que os travessões são usados.
Alternativa E: Os travessões não anunciam referências a outros textos. Essa função geralmente é atribuída às aspas ou ao itálico, dependendo do estilo de formatação adotado.
Portanto, a alternativa correta é a alternativa B, pois os travessões estão isolando um enunciado intercalado dentro de outro enunciado.
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Comentários
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b) isolar enunciado intercalado em outro enunciado.
Toda manhã, ia pensando, de volta para casa, ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela...
Travessões, assim como parênteses, isolam ideias. Nesse contexto não é "essencial" ao texto. (c), nem faz o texto "intrigante" (d).
Questão massa...!
Letra "B" de Banimento.
Em “(...) Toda manhã – ia pensando, de volta para casa – ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela.(...)”, os travessões isolam enunciado intercalado em outro enunciado..... Percebam a enunciação: "Ele ia pensando, de volta para casa: toda manhã ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela."... Mas o termo entre o travessão-duplo nada mais é do que mais uma informação, só que colocada justamente dentro de outra fala.... O que houve foi só uma troca de posição.
Aproveito para lhes passar umas dicas sobre aluguns usos do travessão. Ele pode ser usado:
– Vou bem. E você? (...)
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