Com base no texto 'LUFADA DE ÉTICA NA CORTE', leia as afirm...

Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Q1611310 Português
LUFADA DE ÉTICA NA CORTE

Certa vez presenciei uma divertida conversa entre o senador Darcy Ribeiro, recém-chegado ao Senado, e o então deputado constituinte Florestan Fernandes.

Darcy dizia em tom de brincadeira a Florestan que na eleição seguinte ele devia deixar a câmara baixa (Câmara dos Deputados) e se candidatar à câmara alta (Senado Federal).

“Venha pra cá, Florestan! Isso aqui é um pedaço da corte! No Brasil, o lugar mais próximo do céu é o Senado da República. Aqui a gente tem tudo que quer. Basta desejar alguma coisa que aparece um funcionário para lhe servir”. Os dois estavam impressionados com os ares monárquicos da Praça dos Três Poderes.

O professor Florestan dizia que, apesar de tudo, um dos pontos mais interessantes para se observar o Brasil era o Congresso Nacional e que no Plenário chegavam fragmentos políticos, sociais e culturais do país trazidos por cada parlamentar.

Disciplinado, cumpria rigorosamente os horários das sessões. Sentava-se na mesma cadeira e prestava atenção nos discursos de cada um com o devido respeito, apesar da grande maioria das intervenções serem de baixíssimo nível. Às vezes pedia aparte e debatia os assuntos com a erudição do cientista social que era, cumprindo sua função parlamentar. O burburinho do Plenário abrandava para ouvir o mestre.

Ao mesmo tempo era um homem despojado, almoçava todos os dias no restaurante dos funcionários. Não costumava ir ao mais frequentado pelos parlamentares.

Ele era tão cuidadoso com a própria conduta que certo dia, em São Paulo, passou mal em casa à noite, chamou um táxi e foi para o hospital do servidor. Dona Myriam, mulher dele, preocupada, ligou para Florestan Fernandes Júnior, que estava na TV e pediu para que ele fosse ao hospital acompanhar o pai.

Quando o filho chegou, o professor Florestan estava numa fila enorme para ser atendido. Ele sofria de hepatite C, doença que havia se agravado e lhe causava crises muito fortes.

Florestan Júnior perguntou por que ele, como deputado, não procurou o hospital Albert Einstein, o Sírio Libanês, ou outro que pudesse atendê-lo com rapidez e em melhores condições. Ele respondeu que era servidor público e que aquele era o hospital que teria que cuidar dele.

Perguntou também por que ele estava na fila, em vez de procurar diretamente o atendimento de emergência. Ele disse que estava na fila porque tinha fila e que todas as pessoas estavam ali em situação semelhante à dele, com algum problema de saúde, e que ele não tinha direito de ser atendido na frente de ninguém.

Percebendo a gravidade da situação, o filho foi ao plantonista. O professor Florestan só saiu da fila depois que o médico insistiu para que ele entrasse, deitasse numa maca e fosse medicado.

Na parede onde a maca estava encostada havia um quadro de avisos. Enquanto tomava soro na veia, olhando ao redor, viu afixado no canto do quadro um recorte de jornal amarelado pelo tempo.
Apontou o dedo e disse ao filho:
– Olha, é um artigo meu, publicado no jornal Folha de S. Paulo.
Nesse eu defendo a saúde pública. Como nos meses seguintes as crises tornaram-se cada vez mais fortes e frequentes, os médicos que cuidavam dele decidiram fazer transplante do fígado.

Na época, Fernando Henrique Cardoso, seu ex-aluno na USP e amigo pessoal de muitos anos, era presidente da República e ficou sabendo que o professor Florestan faria a cirurgia.

Imediatamente ligou para ele, ofereceu traslado e a realização do transplante no melhor hospital de Cleveland, nos Estados Unidos.

Florestan tinha alta comenda do país, a Ordem de Rio Branco, que lhe facultava certas prerrogativas. Florestan agradeceu a gentileza de Fernando Henrique e disse que não poderia aceitar o privilégio. Que aceitaria se ele fizesse o mesmo com todos os brasileiros em situação mais grave do que a dele.

Em seguida ele fez o transplante em São Paulo e morreu no hospital por complicações pós-operatórias provocadas por erro humano.

Nesse momento de indigência moral e de decadência institucional do país, em que autoridades como magistrados, procuradores, parlamentares, ministros, o presidente da República, posam com exuberantes imposturas, usam e abusam dos cargos e funções públicas que ocupam para tirar proveitos próprios, lembrar de homens públicos e intelectuais de grandeza ética como o professor Florestan Fernandes e o professor Darcy Ribeiro talvez ajude a arejar o ambiente degradado da sociedade brasileira pelo golpe de Estado. 

(CERQUEIRA, Laurez. Lufada de ética na corte. 2018. Disponível em: http://bit.ly/32n1YiU)
Com base no texto 'LUFADA DE ÉTICA NA CORTE', leia as afirmativas a seguir:
I. A ironia contida no título do texto e presente nas atitudes do professor Florestan corresponde também à atitude do ex-presidente, elucidada no trecho “Imediatamente [Fernando Henrique Cardoso] ligou para ele, ofereceu traslado e a realização do transplante no melhor hospital de Cleveland, nos Estados Unidos”. II. O texto tem como objetivo mostrar que, no Brasil, existem/existiram homens públicos e intelectuais de grandeza ética como o professor Florestan Fernandes e o professor Darcy Ribeiro. Estes são exemplos a serem seguidos, pois se destacaram no campo da saúde pública.
Marque a alternativa CORRETA:
Alternativas