“Até hoje não consegui jogar fora a cama da minha cachorrin...

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As utilíssimas coisas inúteis

Marina Colasanti, quinta-feira, 16 de janeiro de 2020


Fui a uma liquidação de fim de ano porque precisava trocar uma roupa que havia ganho. E fiquei pasma com a quantidade de peças que cada um levava. Na demora da fila, as pessoas esticavam o braço para colher de arara ou prateleira uma bolsa, um cinto ou uma camiseta não vistos antes e acabavam ficando com ela. Tudo, mais que propriamente despertar desejo, era visto como um bom negócio. Afinal, os preços estavam em conta.

E ali mesmo me perguntei se aquela gente toda tiraria do armário o correspondente ao que estava levando, ou se apenas apertaria os cabides.

Compro muito pouco, mas tenho grande dificuldade para jogar fora. Acumulo. E embora tendo isenção profissional para acumular livros e papéis, não a tenho para o resto.

Calcula-se que um europeu ou americano possua em média 10 mil objetos. Para discutir consumismo e gênero no “The Pink and Blue Project”, a sul-coreana Jeongmee Yoon fotografou durante 10 anos crianças e adolescentes no seu quarto, com todos os seus objetos expostos. As fotos são surpreendentes, cada quarto parecendo um mercado.

Até hoje não consegui jogar fora a cama da minha cachorrinha que há três anos morreu, me parece ingratidão, depois de tanto amor que ela me deu. Nem consegui me desfazer dos tecidos para quimono que comprei no Japão e nunca fiz, ou da camisa de seda que comprei na Índia e já não uso. Se uma calça fica larga, penso que posso voltar a engordar, se uma saia fica larga, aperto. Nunca nada ficou apertado, o que me faz crer que dificilmente engordarei. Às vezes consigo jogar fora suéteres que ficaram com “bolinhas”.

Dizem os neurocientistas que acumular é comando do nosso cérebro, possivelmente vindo de tempos remotíssimos em que a abundância era rara ou inexistente, e qualquer pedaço de carne, qualquer pele de bicho, qualquer lasca de pedra era posse valiosa.

Hoje, os objetos de que nos rodeamos adquiriram outro sentido. Um deles é fazer parte da nossa identidade. Segundo o psicólogo Daniel Kahneman sofremos mais ao perder um objeto querido do que o prazer que tivemos ao adquiri-los – podemos imaginar o que sofreu Eike Batista ao perder a Lamborghini que, como um sofá, ficava estacionada na sala. Outro é dizer às multidões quem somos, qual o nosso patamar social.

É o que fazem alto e bom som as marcas. É a função do luxo.

Não compramos só em atendimento ao nosso desejo. Compramos também olhando pelos olhos dos outros, projetando nos olhos dos outros a imagem que teremos com nossas novas aquisições. Desse ponto de vista, quem compra muitas peças de roupa numa liquidação não está fazendo um bom negócio. Apesar do bom preço, está adquirindo o que já saiu de moda, o que se usou no ano anterior ou até mesmo no mês anterior. E tudo o que não é de hoje, é out.

Objetos podem ser inúteis, mas se dados com afeto temos dificuldade em nos desfazer deles. Xuxa tinha uma casa só para guardar memorabilia, presentes dados pelos fãs. Ninguém joga fora o bordado feito pela afilhada, o primeiro desenho do filho, a folha seca na página do livro dada pelo noivo. Os objetos tornamse então não apenas objetos, mas testemunhos do passado que cantam aos nossos olhos. E por isso os guardamos.

Marie Kondo, a japonesa famosa pelo método MarieKondo de arrumação, não se orienta pela ligação psicológica entre os humanos e seus objetos. O interesse dela é na ordem e na estética. Mas ao limpar nossos armários e gavetas corre o risco de nos deixar despidos.


Disponível em:<https://www.marinacolasanti.com/2020/02/expatriaram-o-gato.htmL>  . Acesso em: 17 fev. 2020.
“Até hoje não consegui jogar fora a cama da minha cachorrinha que há três anos morreu, me(1) parece ingratidão, depois de tanto amor que ela me(2) deu. Nem consegui me(3) desfazer dos tecidos para quimono que comprei no Japão e nunca fiz, ou da camisa de seda que comprei na Índia e já não uso. Se uma calça fica larga, penso que posso voltar a engordar, se uma saia fica larga, aperto. Nunca nada ficou apertado, o que me(4) faz crer que dificilmente engordarei. Às vezes consigo jogar fora suéteres que ficaram com ‘bolinhas’.”

Nesse fragmento, dentre as ocorrências do pronome “me” destacadas e numeradas estão de acordo com a norma-padrão as de número
Alternativas

Gabarito comentado

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Para resolver esta questão, exige-se conhecimento em colocação pronominal. Vejamos:

Os pronomes pessoais oblíquos átonos me, te, se, lhe(s), o(s), a(s), nos e vos podem estar em três posições ao verbo ao qual se ligam.

Próclise é antes do verbo⇾ Nada me faz tão bem quanto passar em concurso.

Mesóclise é no meio do verbo⇾ Abraçar-lhe-ei…

Ênclise é após o verbo⇾ Falaram-me que você está muito bem



Até hoje não consegui jogar fora a cama da minha cachorrinha que há três anos morreu, me(1) parece ingratidão, depois de tanto amor que ela me(2) deu. Nem consegui me(3) desfazer dos tecidos para quimono que comprei no Japão e nunca fiz, ou da camisa de seda que comprei na Índia e já não uso. Se uma calça fica larga, penso que posso voltar a engordar, se uma saia fica larga, aperto. Nunca nada ficou apertado, o que me(4) faz crer que dificilmente engordarei. Às vezes consigo jogar fora suéteres que ficaram com 'bolinhas'."



Nesse fragmento, dentre as ocorrências do pronome “me" destacadas e numeradas estão de acordo com a norma-padrão as de número: 



Caso 1- Não se pode iniciar imediatamente após a vírgula com pronome oblíquo. O correto é "Parece-me..."


Caso 2- A oração "que ela me deu" é subordinada adjetiva. Nas frases subordinadas, a preferência nesse caso é o uso do pronome antes do verbo. Ou seja, a forma empregada está correta.


Caso 3-  A palavra "Nem" possui sentido negativo e, por isso, atrai a próclise. Ou seja, a forma empregada está correta.


Caso 4- A partícula "que" sempre atrai a próclise. Ou seja, a forma empregada está correta.




A banca examinadora considerou como corretas somente as colocações pronominais de  casos de número 3 e 4. No entanto, o caso de número 2 está correto.



Gabarito da banca: E

Gabarito do monitor: Nulo




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Comentários

Veja os comentários dos nossos alunos

tanto amor que ela me deu >> acredito que esteja correta.

ela deu para mim >>> acredito que se fosse assim tbm estaria correto

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pronome começo de frase está errado >> parece-me ingratidão

''que'' é atrativo >>> o que me faz crer

se alguém souber o erro, pois os professores ainda não voltaram depois do carnaval

1 errado, pronome após a virgula

2 errado, que atrai o pronome

qualquer erro, corrijam-me kk

PÓS SUBSTANTIVO, TANTO FAZ, SER PRÓCLISE OU ÊNCLISE (FACULTA), LOGO ESSA QUESTÃO DEVE SER ANULADA.

No fragmento 2 a palavra que antecede o verbo é o pronome reto ''ela'',

Pronome reto permite que a colocação do pronome seja facultativa, tanto antes (próclise), como depois do verbo (ênclise). Logo, a questão deveria ser anulada.

Exemplo disso: Eu te amo. Eu amo-te. Apesar que normalmente usamos a primeira opção, as duas estão corretas.

(2) depois de tanto amor que me deu.

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