É uma ideia presente no texto:
O empregado tem carro e anda de avião. E eu estudei pra quê?
Matheus Pichonelli
O condômino é, antes de tudo, um especialista no tempo. Quando se encontra com seus pares, desanda a falar do calor, da seca, da chuva, do ano que passou voando e da semana que parece não ter fim. À primeira vista, é um sujeito civilizado e cordato em sua batalha contra os segundos insuportáveis de uma viagem sem assunto no elevador. Mas tente levantar qualquer questão que não seja a temperatura e você entende o que moveu todas as guerras de todas as sociedades em todos os períodos históricos. Experimente. Reúna dois ou mais condôminos diante de uma mesma questão e faça o teste. Pode ser sobre um vazamento. Uma goteira. Uma reforma inesperada. Uma festa. E sua reunião de condomínio será a prova de que a humanidade não deu certo.
Dia desses, um amigo voltou desolado de uma reunião do gênero e resolveu desabafar no Facebook: “Ontem, na assembleia de condomínio, tinha gente 'revoltada' porque a lavadeira comprou um carro. ‘Ganha muito’ e ‘pra quê eu fiz faculdade’ foram alguns dos comentários. Um dos condôminos queria proibir que ela estacionasse o carro dentro do prédio, mesmo informado que a funcionária paga aluguel da vaga a um dos proprietários”.
Sem que se perceba, reuniões como esta dizem mais sobre nossa tragédia humana do que se imagina. A do Brasil é enraizada, incolor e ofuscada por um senso comum segundo o qual tudo o que acontece de ruim no mundo está em Brasília, em seus políticos, em seus acordos e seus arranjos. Sentados neste discurso, de que a fonte do mal é sempre a figura distante, quase desmaterializada, reproduzimos uma indigência humana e moral da qual fazemos parte e nem nos damos conta. (...)
Por trás desse discurso está uma lógica perversa de dominação. Uma lógica que permite colocar os trabalhadores braçais em seu devido lugar. Por aqui, não nos satisfazemos em contratar serviços que não queremos fazer, como lavar, passar, enxugar o chão, lavar a privada, pintar as unhas ou trocar a fralda e dar banho em nossos filhos: aproveitamos até a última ponta o gosto de dizer “estou te pagando e enquanto estou pagando eu mando e você obedece”. Para que chamar a atenção do garçom com discrição se eu posso fazer um escarcéu se pedi batata-fria e ele me entregou mandioca? Ao lembrá-lo de que é ele quem serve, me lembro, e lembro a todos, que estudei e trabalhei para sentar em uma mesa de restaurante e, portanto, MEREÇO ser servido. Não é só uma prestação de serviço: é um teatro sobre posições de domínio. Pobre o país cujo diploma serve, na maioria dos casos, para corroborar estas posições.
Por isso o discurso ouvido por meu amigo em seu condomínio é ainda uma praga: a praga da ignorância instruída. Por isso as pessoas se incomodam quando a lavadeira, ou o porteiro, ou o garçom, “invade” espaços antes cativos. Como uma vaga na garagem de prédio. Ou a universidade. Ou os aeroportos. (...)
Esses exemplos mostram que, por aqui, pobre pode até ocupar espaços cativos da elite (não sem nossos protestos), mas nosso diploma e nosso senso de distinção nos autorizam a galhofa: “lembre-se, você não é um de nós”. Triste que este discurso tenha sido absorvido por quem deveria ter como missão a detonação, pela base e pela educação, dos resquícios de uma tragédia histórica construída com o caldo da ignorância, do privilégio e da exclusão.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-empregadaja-tem-carro-e-eu-estudei-pra-que-5156.html
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Interpretação da Questão:
A questão aborda a percepção da sociedade brasileira sobre a mobilidade social e a ascensão de grupos que historicamente foram marginalizados. O texto sugere que a reação negativa de alguns indivíduos à ascensão social de outros demonstra uma resistência às mudanças sociais.
Alternativa Correta:
B - A sociedade não está disposta a mudanças na estrutura e revela isso de forma indireta.
Esta alternativa é correta porque reflete a ideia de que a resistência à ascensão social de grupos antes marginalizados está enraizada em um contexto social que não aceita mudanças. O texto discute como a reação de descontentamento em relação a indivíduos que "invadem" espaços antes considerados exclusivos indica uma aversão à transformação das estruturas sociais.
Justificativa das Alternativas Incorretas:
A - As mudanças que ocorrem na sociedade em relação às chamadas classes sociais acontecem concomitantes às mudanças de paradigmas em relação à postura das pessoas diante desses acontecimentos. Esta alternativa é incorreta porque o texto sugere uma resistência à mudança, não uma aceitação ou adaptação simultânea.
C - A estrutura social brasileira nunca muda e isso reitera a resistência das pessoas em relação à ascensão de alguns grupos marginais. A afirmação de que "nunca muda" é uma generalização excessiva. O texto indica resistência, mas também mostra exemplos de mudança, mesmo que sejam recebidos com hostilidade.
D - As classes sociais no Brasil são muito bem definidas e por isso não existe possibilidade de mudanças em relação a esse aspecto. Assim como na alternativa C, a negação total de mudanças não condiz com a realidade apresentada no texto, que fala sobre a ascensão de grupos antes marginalizados.
E - A ascensão social de grupos minoritários ainda incomoda as pessoas porque não se fez uma política de aceitação desses grupos, o que ainda depende de vontade política. Embora essa alternativa aborde um ponto relevante, não é o foco central do texto, que enfatiza mais a resistência social do que a falta de políticas.
Conclusão:
A alternativa B é a que melhor sintetiza o sentimento expresso no texto sobre a resistência da sociedade a mudanças em relação à mobilidade social. A compreensão do contexto e das nuances do discurso é crucial para a interpretação correta.
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3° parágrafo:
Sem que se perceba, reuniões como esta dizem mais sobre nossa tragédia humana do que se imagina. A do Brasil é enraizada, incolor e ofuscada por um senso comum segundo o qual tudo o que acontece de ruim no mundo está em Brasília, em seus políticos, em seus acordos e seus arranjos. Sentados neste discurso, de que a fonte do mal é sempre a figura distante, quase desmaterializada, reproduzimos uma indigência humana e moral da qual fazemos parte e nem nos damos conta. (...)
Dia desses, um amigo voltou desolado de uma reunião do gênero e resolveu desabafar no Facebook: “Ontem, na assembleia de condomínio, tinha gente 'revoltada' porque a lavadeira comprou um carro. ‘Ganha muito’ e ‘pra quê eu fiz faculdade’ foram alguns dos comentários. Um dos condôminos queria proibir que ela estacionasse o carro dentro do prédio, mesmo informado que a funcionária paga aluguel da vaga a um dos proprietários”.
A sociedade não está disposta a mudanças na estrutura e revela isso de forma indireta.
De forma indireta? não conseguir identificar a forma indireta
Essa exclusão - direta - Um dos condôminos queria proibir que ela estacionasse o carro dentro do prédio.
Indireta?
O discurso indireto é a apresentação das falas das personagens de uma narrativa feita pelas palavras do narrador.
As principais características do discurso indireto são:
- É a reprodução da essência das falas das personagens feita pelas palavras do narrador;
- A narração é sempre feita na 3.ª pessoa;
- Ocorre com a intervenção do narrador como intermediário entre as personagens e o leitor;
- É introduzido por verbos de elocução que anunciam o discurso (dizer, perguntar, responder, comentar, falar, observar, retrucar, replicar, exclamar, aconselhar, gritar, murmurar);
- Após o verbo de elocução, há uma conjunção (que ou se) que separa a fala do narrador da fala da personagem;
- O narrador também utiliza as suas próprias palavras para reproduzir as reações e personalidade das personagens.
Exemplos de discurso indireto:
O desconhecido perguntou que horas eram.
Foi então que ele disse que estava cansado de tanta confusão.
Fonte: Norma Culta
B
A sociedade não está disposta a mudanças na estrutura e revela isso de forma indireta.
Letra B
Deve-se analisar o texto como um todo. O brasileiro sempre afasta a responsabilidade das coisas, diz que a culpa dos problemas não é sua e sim dos políticos. Isso é uma forma INDIRETA de não querer a mudança.
GCM Canindé de São Francisco
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