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Q1507295 Português

Cultura clonada e mestiçagem

    Levantar hoje a questão da cultura é colocar-se em uma encruzilhada para a qual convergem, embora também se oponham, o avanço da globalização e a persistência das identidades nacionais. Mas a cultura não pode mais, presentemente, construir-se sem uma tensão constitutiva, existencial e vital entre o universal, o regional, o nacional e o comunitário.

     Apesar de as culturas se manterem arraigadas em seus contextos nacionais, torna-se cada vez mais difícil acreditar que os conceitos tradicionais de identidade, povo ou nação sejam "intocáveis". De fato, jamais nossas sociedades conheceram ruptura tão generalizada com tradições centenárias. Devemos, porém, indagar se as evoluções contemporâneas, em geral apresentadas como possíveis ameaças a essas tradições, inclusive a do Estado-nação, não constituiriam terrenos férteis para a cultura, ou seja, favoráveis à coexistência das diversidades. Um duplo obstáculo seria então evitado: a coesão domesticada e a uniformização artificial.

      O primeiro obstáculo advém da fundamentação do modelo hegemônico de identificação em uma cultura única, total, dominante, integrativa. Esta era percebida como algo estático e definitivo. Era brandida como uma arma, cujos efeitos só hoje avaliamos: neste século, vimos as culturas mais sofisticadas curvarem-se à barbárie; levamos muito tempo até perceber que o racismo prospera quando faz da cultura algo absoluto. Conceber a cultura como um modo de exclusão conduz inevitavelmente à exclusão da cultura. Por isso, o tema da identidade cultural, que nos acompanha desde as primeiras globalizações, é coisa do passado.

        Mas a cultura não deve emancipar-se da identidade nacional deixando-se dominar pela globalização e pela privatização. As identidades pós-nacionais que estão surgindo ainda não demonstraram sua capacidade de resistir à desigualdade, à injustiça, à exclusão e à violência. Subordinar a cultura a critérios elaborados nos laboratórios da ideologia dominante, que fazem a apologia das especulações na bolsa, dos avatares da oferta e da demanda, das armadilhas da funcionalidade e da urgência, equivale a privá-la de seu indispensável oxigênio social, a substituir a tensão criativa pelo estresse do mercado. Neste sentido, dois grandes perigos nos ameaçam. O primeiro é a tendência atual a considerar a cultura um produto supérfluo, quando, na realidade, ela poderia representar para as sociedades da informação o que o conhecimento científico representou para as sociedades industriais. Frequentemente se esquece que reparar a fratura social exige que se pague a fatura cultural: o investimento cultural é também um investimento social.

     O segundo perigo é o "integrismo eletrônico". Das fábricas e dos supermercados culturais emana uma cultura na qual o tecnológico tem tanta primazia que se pode considerá-la desumanizada.

     Mas como "tecnologizar" a cultura reduzindo-a a um conjunto de clones culturais e pretender que ela continue a ser cultura? A cultura clonada é um produto abortado, porque, ao deixar de estabelecer vínculos, deixa de ser cultura. O vínculo é seu signo característico, sua senha de identidade. E esse vínculo é mestiçagem - portanto o oposto da clonagem. A clonagem é cópia; e a mestiçagem, ao contrário, cria um ser diferente, embora também conserve a identidade de suas origens. Em todas as partes onde se produziu, a mestiçagem manteve as filiações e forjou uma nova solidariedade que pode servir de antídoto à exclusão.

         Parafraseando Malraux, eu diria que o terceiro milênio será mestiço, ou não será.


PORTELLA, Eduardo. Texto apresentado na série Conferências do Século XXI, realizada em 1999, e publicado em O

Correio da Unesco, jun., 2000

Assinale a alternativa que apresenta uma análise correta acerca de aspectos linguísticos empregados no texto:
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C) A expressão “ou seja”, no segundo parágrafo, poderia estar isolada por travessões, mantendo-se a correção gramatical, quanto à pontuação.

→ Correto, virgula e travessões são intercambiáveis.

GABARITO. C

GABARITO -C

A) O vocábulo “arraigadas” (2º parágrafo) estabelece uma relação de sinonímia com o vocábulo “extirpadas”.

( Sinonímia é a relação entre palavras de significado semelhante )

São significados distintos !

Arraigada = Que se estabeleceu ou se fixou na memória, nos costumes ou na cultura de uma sociedade...

extirpada = arrancou pela raiz

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B) Os vocábulos “difícil”, “intocáveis”, “contemporâneas”, “coexistência” e “obstáculo” atendem a uma mesma regra de acentuação gráfica.

Difícil - Paroxítona terminada em "L "

Intocáveis - Paroxítona terminada em Ditongo

contemporâneas- Paroxítona terminada em ditongo

coexistência- Paroxítona terminada em ditongo ( ficar atento ao que se chama de " proparoxítona aparente " )

obstáculo- Proparoxítona

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C) A expressão “ou seja”, no segundo parágrafo, poderia estar isolada por travessões, mantendo-se a correção gramatical, quanto à pontuação.

Segundo a gramática os termos de função explicativa ou reiterativa , isto é, ou seja, aliás .. são demarcados por vírgulas. Em relação aos travessões, é possível a substituição, uma vez que a gramática permite o uso ( travessões) para pôr em evidências termos de função explicativa.

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D) O emprego do acento grave indicativo de crase nas duas ocorrências a seguir “curvarem-se à barbárie” (3º parágrafo) e “conduz inevitavelmente à exclusão da cultura” (3º parágrafo) se dá por regras distintas.

Dá-se pela Junção da preposição a + artigo feminino (a)

Fica evidente quando fazemos a troca do feminino pelo masculino.

curvarem-se à barbárie

Curvam-se ao problema

conduz inevitavelmente à exclusão

Conduz ao adicional

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E) Não há linguagem figurada em “Era brandida como uma arma, cujos efeitos só hoje avaliamos (...)” (3º parágrafo).

Há uma linguagem conotativa / figurada , pois não se trata de literalidade.

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Spadoto, FTD.

Há várias temáticas compreendidas pela questão, a saber:

Acentuação gráfica, a marcação, na escrita, da sílaba tônica da palavra por meio de dois distintos sinais de acento gráfico: agudo e circunflexo;

Sinonímia, ou seja, a relação entre palavras que apresentam o mesmo significado;

Uso dos sinais de pontuação, em especial travessão e vírgula;

Conotação, que diz respeito a sentidos além daqueles expressos direta e claramente na frase.

Inspecionemos os itens:

a) O vocábulo “arraigadas” (2º parágrafo) estabelece uma relação de sinonímia com o vocábulo “extirpadas”.

Incorreto. "Arraigado" tem como sentido enraizado, que lançou raízes; em contrapartida, "extirpado" apresenta sentido oposto: significa desarraigado, desenraizado;

b) Os vocábulos “difícil”, “intocáveis”, “contemporâneas”, “coexistência” e “obstáculo” atendem a uma mesma regra de acentuação gráfica.

Incorreto. "Difícil" e "intocáveis" têm o acento justificado por serem paroxítonas terminadas em "L" e "eis"; "contemporâneas" e "existências" são paroxítonas terminadas em ditongo; "obstáculo" é proparoxítona e deve ser acentuada;

c) A expressão “ou seja”, no segundo parágrafo, poderia estar isolada por travessões, mantendo-se a correção gramatical, quanto à pontuação.

Correto. Em geral, o travessão e a vírgula são sinais de pontuação permutáveis entre si, ou seja, pode-se usar um no lugar do outro;

d) O emprego do acento grave indicativo de crase nas duas ocorrências a seguir “curvarem-se à barbárie” (3º parágrafo) e “conduz inevitavelmente à exclusão da cultura” (3º parágrafo) se dá por regras distintas.

Incorreto. Ambos os verbos (curvar-se e conduzir) regem preposição "a" e reclamam complemento verbal indireto (objeto indireto);

e) Não há linguagem figurada em “Era brandida como uma arma, cujos efeitos só hoje avaliamos (...)” (3º parágrafo).

Incorreto. Há linguagem figurada, especificamente consta uma figura de linguagem à qual se dá o nome de comparação (veja o conectivo comparativo "como").

Letra C

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