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Q1507296 Português

Cultura clonada e mestiçagem

    Levantar hoje a questão da cultura é colocar-se em uma encruzilhada para a qual convergem, embora também se oponham, o avanço da globalização e a persistência das identidades nacionais. Mas a cultura não pode mais, presentemente, construir-se sem uma tensão constitutiva, existencial e vital entre o universal, o regional, o nacional e o comunitário.

     Apesar de as culturas se manterem arraigadas em seus contextos nacionais, torna-se cada vez mais difícil acreditar que os conceitos tradicionais de identidade, povo ou nação sejam "intocáveis". De fato, jamais nossas sociedades conheceram ruptura tão generalizada com tradições centenárias. Devemos, porém, indagar se as evoluções contemporâneas, em geral apresentadas como possíveis ameaças a essas tradições, inclusive a do Estado-nação, não constituiriam terrenos férteis para a cultura, ou seja, favoráveis à coexistência das diversidades. Um duplo obstáculo seria então evitado: a coesão domesticada e a uniformização artificial.

      O primeiro obstáculo advém da fundamentação do modelo hegemônico de identificação em uma cultura única, total, dominante, integrativa. Esta era percebida como algo estático e definitivo. Era brandida como uma arma, cujos efeitos só hoje avaliamos: neste século, vimos as culturas mais sofisticadas curvarem-se à barbárie; levamos muito tempo até perceber que o racismo prospera quando faz da cultura algo absoluto. Conceber a cultura como um modo de exclusão conduz inevitavelmente à exclusão da cultura. Por isso, o tema da identidade cultural, que nos acompanha desde as primeiras globalizações, é coisa do passado.

        Mas a cultura não deve emancipar-se da identidade nacional deixando-se dominar pela globalização e pela privatização. As identidades pós-nacionais que estão surgindo ainda não demonstraram sua capacidade de resistir à desigualdade, à injustiça, à exclusão e à violência. Subordinar a cultura a critérios elaborados nos laboratórios da ideologia dominante, que fazem a apologia das especulações na bolsa, dos avatares da oferta e da demanda, das armadilhas da funcionalidade e da urgência, equivale a privá-la de seu indispensável oxigênio social, a substituir a tensão criativa pelo estresse do mercado. Neste sentido, dois grandes perigos nos ameaçam. O primeiro é a tendência atual a considerar a cultura um produto supérfluo, quando, na realidade, ela poderia representar para as sociedades da informação o que o conhecimento científico representou para as sociedades industriais. Frequentemente se esquece que reparar a fratura social exige que se pague a fatura cultural: o investimento cultural é também um investimento social.

     O segundo perigo é o "integrismo eletrônico". Das fábricas e dos supermercados culturais emana uma cultura na qual o tecnológico tem tanta primazia que se pode considerá-la desumanizada.

     Mas como "tecnologizar" a cultura reduzindo-a a um conjunto de clones culturais e pretender que ela continue a ser cultura? A cultura clonada é um produto abortado, porque, ao deixar de estabelecer vínculos, deixa de ser cultura. O vínculo é seu signo característico, sua senha de identidade. E esse vínculo é mestiçagem - portanto o oposto da clonagem. A clonagem é cópia; e a mestiçagem, ao contrário, cria um ser diferente, embora também conserve a identidade de suas origens. Em todas as partes onde se produziu, a mestiçagem manteve as filiações e forjou uma nova solidariedade que pode servir de antídoto à exclusão.

         Parafraseando Malraux, eu diria que o terceiro milênio será mestiço, ou não será.


PORTELLA, Eduardo. Texto apresentado na série Conferências do Século XXI, realizada em 1999, e publicado em O

Correio da Unesco, jun., 2000

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GABARITO DA BANCA -D

Vejo alguns problemas nas assertivas...

A) Os verbos destacados no excerto “(...) para a qual convergem, embora também se oponham, o avanço da globalização e a persistência das identidades nacionais.” (1º parágrafo) poderiam estar flexionados no singular, mantendo-se a correção gramatical.

Analisei da seguinte maneira:

 Levantar hoje a questão da cultura é colocar-se em uma encruzilhada para a qual convergem, embora também se oponham, o avanço da globalização e a persistência das identidades nacionais. 

O avanço da globalização e a persistência / Convergem

Se Oponham / O avanço da globalização e a persistência

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B) O elemento destacado em “(...) construir-se sem uma tensão constitutiva, existencial e vital entre o universal, o regional, o nacional e o comunitário.” (1º parágrafo) deve ser classificado como um pronome apassivador em sua ocorrência textual.

O SE partícula apassivadora precisa ser um VTD ou VTDI para indicar que o sujeito explícito da frase tem valor paciente, ou seja, sofre a ação verbal.

construir-se  o regional, o nacional e o comunitário

É apropriado dizer que se assim fosse considerado dever-se-ia ter uma concordância pluralizada.

Construíram-se / o regional, o nacional e o comunitário FORAM construídos.

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C) A oração “(...) que nos acompanha desde as primeiras globalizações (...)” (3º parágrafo) não poderia estar sem as vírgulas, no contexto em que se encontra, pois apresentaria grave prejuízo gramatical e semântico.

Temos a estrutura de Uma oração adjetiva EXPLICATIVA ( Com vírgulas )

A retirada das vírgulas alteraria o sentido, Mas não vejo como alterar a correção gramatical

 o tema da identidade cultural, que nos acompanha desde as primeiras globalizações, é coisa do passado.

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D) O vocábulo “Esta” em “Esta era percebida como algo estático e definitivo.” (3º parágrafo) é um elemento de coesão com função catafórica.

Realmente , na maioria dos casos, o Este é usado como referenciador catafórico, mas em alguns casos pode ser usado como anafórico. É O CASO.

O primeiro obstáculo advém da fundamentação do modelo hegemônico de identificação em uma cultura única, total, dominante, integrativa. Esta era percebida como algo estático e definitivo.

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E) Temos  uma perífrase verbal sempre que do mesmo domínio predicativo participam um verbo auxiliar (também designado por «verbo morfemático») e uma forma nominal (infinitivo, gerúndio ou particípio passado) do verbo principal (também classificado como «verbo pleno») – com intermediaçã' ou não, de preposição (a, de, por, para). Exemplos:

a) «Estou a escrever um romance.»

O que acham? Se divergirem mandem mensagem..

Fontes: SPADOTO, PESTANA, CIBER DÚVIDAS.

SOBRE A LETRA A:para a qual convergem, embora também se oponham, o avanço da globalização e a persistência das identidades nacionais

Quando o sujeito está posposto ao verbo (como no caso, já que o sujeito é "o avanço da globalização e a persistência das identidades"), o verbo pode concordar com o núcleo mais próximo, que neste caso é "O AVANÇO", ou pode ir para o plural, já que se trata de sujeito composto.

(A)Os verbos destacados no excerto “(...) para a qual convergem, embora também se oponham, o avanço da globalização e a persistência das identidades nacionais.” (1º parágrafo) poderiam estar flexionados no singular, mantendo-se a correção gramatical.

(Note que temos um sujeitoo avanço da globalização e a persistência das identidades nacionais” composto posposto ao verbo, devido a isso, a regra diz que: “Quando o sujeito composto vier posposto o ao verbo, esse verbo pode ir para o masculino plural ou concordar com o primeiro núcleo”).

Item correto                                 

(B)O elemento destacado em “(...) construir-se sem uma tensão constitutiva, existencial e vital entre o universal, o regional, o nacional e o comunitário.” (1º parágrafo) deve ser classificado como um pronome apassivador em sua ocorrência textual.

(Pode sim ser classificado, pois note que podemos transportar a oração para voz passiva analítica com dois verbo: “Mas,presentemente, sem uma tensão constitutiva, existencial e vital entre o universal, o regional, o nacional e o comunitário, a cultura não pode mais ser construída”).

Note, também, que o verbo “construir” é um verbo transitivo direto, isso nos traz mais um certeza que a frase pode ser transportada para voz passiva, porque só não poderia ser transportada se o verbo fosse: de ligação, transitivo indireto ou intransitivo.

Item correto

(C)A oração “(...) que nos acompanha desde as primeiras globalizações (...)” (3º parágrafo) não poderia estar sem as vírgulas, no contexto em que se encontra, pois apresentaria grave prejuízo gramatical e semântico.

(Poderia sim, pois no contexto em que ela se encontra dar-se o nome de “oração subordinada adjetiva explicativa”, porque está isolada por vírgula, caso a virgula fosse retirada, apenas passaria a ser uma “oração subordina adjetiva restritiva” causando apenas um sentido diferente(semântica).

Item errado, pois não teria prejuízo gramatical, e sim semântico.

(D)O vocábulo “Esta” em “Esta era percebida como algo estático e definitivo.” (3º parágrafo) é um elemento de coesão com função catafórica.

(Não, pois a função é anafórica, utilizada para retomar uma ideia anteriormente falada, nesse contexto, o vocábulo “Esta” está sendo empregado para retomar o termo: “cultura”).

A função “catafórica” faz referência a um termo que será citado posteriormente no texto.

Item errado

(E)Os termos destacados nas passagens “Mas a cultura não deve emancipar-se da identidade nacional (...).” (4º parágrafo) e “(...) ela poderia representar para as sociedades da informação (...)” (4º parágrafo) constituem, em sua ocorrência textual, perífrases verbais.

(As perífrases verbais consistem no emprego de um verbo auxiliar conjugado seguido de um verbo no infinitivo, gerúndio ou particípio. Introduzem no verbo modificações de ordem semântica)

Item correto                 

FOCO, FÉ E AÇÃO!

Letra C está incorreta também.

Por isso, o tema da identidade cultural, que nos acompanha desde as primeiras globalizações, é coisa do passado. Temos uma Oração subordinada adjetiva explicativa. Retirando a virgula vai restringir, ou seja, vai haver prejuízo semântico apenas. Não vai ocasionar erro gramatical.

o aluno bom , nessa questão, ficaria entre as letras C e D e optaria, por fim, pela D, pois é mais evidente que ESTA não tem valor catafórico, mas anafórico. Daí , acertada a questão, hora de se chatear com a letra C, é regra gramatical que , na maioria das vezes, a supressão das vírgulas de uma adjetiva explicativa NÃO torna o texto gramaticalmente incorreto, ocorrendo apenas mudança de sentido, e é justamente essa MUDANÇA DE SENTIDO que pode trazer incoerência com a supressão das vírgulas, por exemplo:

"O Canadá, que é um país de primeiro mundo, tem pouca população." , suprimamos as vírgulas, "O Canadá que é um país de primeiro mundo tem pouca população.", como estamos nos referindo a um conjunto unitário. a supressão das vírgulas trará incoerência, uma incoerência tal que ensejará a INCORREÇÃO GRAMATICAL.

Já em uma frase assim: " as meninas da minha rua, que eu pegava sem pena, falam bem de mim até hoje." , suprimindo, "as meninas da minha rua que eu pegava sem pena falam bem de mim até hoje", AQUI A SUPRESSÃO das vírgulas não causou incorreção, mas apenas mudança de sentido.

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