Assinale a alternativa que analisa corretamente a função do...
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Ano: 2020
Banca:
INSTITUTO AOCP
Órgão:
SEJUC-RR
Prova:
INSTITUTO AOCP - 2020 - SEJUC - RR - Agente Penitenciário |
Q2117193
Português
Texto associado
ENTÃO, ADEUS!
Lygia Fagundes Telles
Isto aconteceu na Bahia, numa tarde em
que eu visitava a mais antiga e arruinada igreja
que encontrei por lá, perdida na última rua do
último bairro. Aproximou-se de mim um padre
velhinho, mas tão velhinho, tão velhinho que
mais parecia feito de cinza, de teia, de bruma, de
sopro do que de carne e osso. Aproximou-se e
tocou o meu ombro:
— Vejo que aprecia essas imagens
antigas — sussurrou-me com sua voz débil. E
descerrando os lábios murchos num sorriso
amável: – Tenho na sacristia algumas
preciosidades. Quer vê-las?
Solícito e trêmulo foi-me mostrando os
pequenos tesouros da sua igreja: um mural de
cores remotas e tênues como as de um pobre
véu esgarçado na distância; uma Nossa Senhora
de mãos carunchadas e grandes olhos cheios de
lágrimas; dois anjos tocheiros que teriam sido
esculpidos por Aleijadinho, pois dele tinham a
inconfundível marca nos traços dos rostos
severos e nobres, de narizes já carcomidos…
Mostrou-me todas as raridades, tão velhas e tão
gastas quanto ele próprio. Em seguida,
desvanecido com o interesse que demonstrei por
tudo, acompanhou-me cheio de gratidão até a
porta.
— Volte sempre — pediu-me.
— Impossível — eu disse. — Não moro
aqui, mas, em todo o caso, quem sabe um dia…
— acrescentei sem nenhuma esperança.
— E então, até logo! — ele murmurou
descerrando os lábios num sorriso que me
pareceu melancólico como o destroço de um
naufrágio.
Olhei-o. Sob a luz azulada do crepúsculo,
aquela face branca e transparente era de
tamanha fragilidade, que cheguei a me comover.
Até logo?… “Então, adeus!”, ele deveria ter dito.
Eu ia embarcar para o Rio no dia seguinte e não
tinha nenhuma ideia de voltar tão cedo à Bahia.
E mesmo que voltasse, encontraria ainda de pé
aquela igrejinha arruinada que achei por acaso
em meio das minhas andanças? E mesmo que
desse de novo com ela, encontraria vivo aquele
ser tão velhinho que mais parecia um antigo
morto esquecido de partir?!…
Ouça, leitor: tenho poucas certezas nesta
incerta vida, tão poucas que poderia enumerá-las nesta breve linha. Porém, uma certeza eu
tive naquele instante, a mais absoluta das
certezas: “Jamais o verei.” Apertei-lhe a mão,
que tinha a mesma frialdade seca da morte.
— Até logo! – eu disse cheia de
enternecimento pelo seu ingênuo otimismo.
Afastei-me e de longe ainda o vi, imóvel
no topo da escadaria. A brisa agitava-lhe os
cabelos ralos e murchos como uma chama
prestes a extinguir-se. “Então, adeus!”, pensei
comovida ao acenar-lhe pela última vez.
“Adeus.”
Nesta mesma noite houve o clássico
jantar de despedida em casa de um casal amigo.
E, em meio de um grupo, eu já me encaminhava
para a mesa, quando de repente alguém tocou o
meu ombro, um toque muito leve, mais parecia o
roçar de uma folha seca.
Voltei-me. Diante de mim, o padre
velhinho sorria.
— Boa noite!
Fiquei muda. Ali estava aquele de quem
horas antes eu me despedira para sempre.
— Que coincidência… — balbuciei afinal.
Foi a única banalidade que me ocorreu dizer.—
Eu não esperava vê-lo… tão cedo.
Ele sorria, sorria sempre. E desta vez
achei que aquele sorriso era mais malicioso do
que melancólico. Era como se ele tivesse
adivinhado meu pensamento quando nos
despedimos na igreja e agora então, de um certo
modo desafiante, estivesse a divertir-se com a
minha surpresa. “Eu não disse até logo?”, os
olhinhos enevoados pareciam perguntar com
ironia.
Durante o jantar ruidoso e calorento,
lembrei-me de Kipling. “Sim, grande e estranho é
o mundo. Mas principalmente estranho…”
Meu vizinho da esquerda quis saber entre
duas garfadas:
— Então a senhora vai mesmo nos deixar
amanhã?
Olhei para a bolsa que tinha no regaço e
dentro da qual já estava minha passagem de
volta com a data do dia seguinte. E sorri para o
velhinho lá na ponta da mesa.
— Ah, não sei… Antes eu sabia, mas
agora já não sei.
Disponível em:
<http://www.releituras.com.br/lftelles_entaoadeus_imp.asp.>
Acesso em: 06 jul. 2020.
Assinale a alternativa que analisa
corretamente a função do conectivo “como”
na seguinte oração: “[…] um mural de cores
remotas e tênues como as de um pobre véu
esgarçado na distância [...]”.