Em “Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia ...

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Q2695019 Português

Por um pé de feijão


Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que a terra (a nossa terra, feinha, cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapê) estava explodindo em beleza. E nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia trabalhando e cantando e logo depois do pôr do sol desmaiávamos em qualquer canto e adormecíamos, contentes da vida.

Até me esqueci da escola, a coisa que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo. Agora dava gosto trabalhar.

Os pés de milho cresciam desembestados, lançavam pendões e espigas imensas. Os pés de feijão explodiam as vagens do nosso sustento, num abrir e fechar de olhos. Toda a plantação parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino comum, uma festa comum, feito gente. O mundo era verde. Que mais podíamos desejar?

E assim foi até a hora de arrancar o feijão e empilhá-lo numa seva tão grande que nós, os meninos, pensávamos que ia tocar nas nuvens. Nossos braços seriam bastantes para bater todo aquele feijão? Papai disse que só íamos ter trabalho daí a uma semana e aí é que ia ser o grande pagode. Era quando a gente ia bater o feijão e iria medi-lo, para saber o resultado exato de toda aquela bonança. Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos, outros achavam que era cinquenta, outros falavam em oitenta.

No dia seguinte voltei para a escola. Pelo caminho também fazia os meus cálculos. Para mim, todos estavam enganados. Ia ser cem sacos. Daí para mais. Era só o que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado tanto tempo. Ela disse que assim eu ia perder o ano e eu lhe disse que foi assim que ganhei um ano. E quando deu meio dia e a professora disse que podíamos ir, saí correndo. Corri até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua parecendo que ia se arrastar pelo chão. Para quem vem da rua, há uma ladeira muito comprida e só no fim começa a cerca que separa o nosso pasto da estrada. E foi logo ali, bem no comecinho da cerca, que eu vi a maior desgraça do mundo: o feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem negra, subindo do chão para o céu... Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.

Durante uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe.

Fui o primeiro a ter coragem de ir até lá. Como a gente podia ver lá de cima, da porta da casa, não havia sobrado nada. Um vento leve soprava as cinzas e era tudo. Quando voltei, papai estava falando.

– Ainda temos um feijãozinho-de-corda no quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o milho para quebrar,

despalhar, bater e encher o paiol, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis, mas deixa os dedos.

E disse mais:

– Agora não se pensa mais nisso, não se fala mais nisso. Acabou. Então eu pensei: o velho está certo.

Eu já sabia que quando as chuvas voltassem, lá estaria ele, plantando um novo pé de feijão.


(Antônio Torres. Os cem melhores contos brasileiros do século. Adaptado.)

Em “Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos, outros achavam que era cinquenta, outros falavam em oitenta.” (4º§), os dois-pontos têm como finalidade:

Alternativas

Gabarito comentado

Confira o gabarito comentado por um dos nossos professores

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Tema central da questão:

O tema central desta questão envolve a interpretação do uso dos sinais de pontuação, especificamente os dois-pontos. É necessário compreender como esse sinal é utilizado para introduzir informações, esclarecer ideias ou apresentar listas, exemplos, explicações ou discursos diretos dentro de um texto.

Alternativa correta: B - Indicar um esclarecimento.

Neste caso, os dois-pontos são usados para introduzir uma explicação sobre as diferentes apostas feitas pelas pessoas em relação à quantidade de sacos de feijão. Após os dois-pontos, o texto lista as quantidades mencionadas, esclarecendo o que foi dito anteriormente, ou seja, que "não faltou quem fizesse suas apostas".

Análise das alternativas incorretas:

A - Expressar surpresa. - Os dois-pontos não são utilizados para expressar surpresa. Em geral, a surpresa é marcada por sinais de exclamação ou por expressões de espanto no texto.

C - Marcar citação incompleta. - Os dois-pontos podem ser usados para introduzir citações diretas, mas não é o caso aqui, pois o trecho não está apresentando uma citação de outra fonte nem está inacabada.

D - Sugerir a continuidade de uma ação. - Os dois-pontos não têm a função de indicar continuidade de ação. Essa função pode ser cumprida por conjunções ou por uma vírgula no caso de uma enumeração.

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