Na crônica de Rubem Alves o autor orienta o interlocutor a ...

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Q2466263 Português

Leia o texto a seguir para responder à questão.


Não ameis a distância

Rubem Alves


    Em uma cidade há um milhão e meio de pessoas, em outra há outros milhões; e as cidades são tão longe uma da outra que nesta é verão quando naquela é inverno. Em cada uma dessas cidades há uma pessoa, e essas pessoas tão distantes, acaso pensareis que podem cultivar em segredo, como plantinha de estufa, um amor a distância?

    Andam em ruas tão diferentes e passam o dia falando línguas diversas; cada uma tem em torno de si uma presença constante e inumerável de olhos, vozes, notícias. Não se telefonam mais; é tão caro e demorado e tão ruim e além disso, que se diriam? Escrevem-se. Mas uma carta leva dias para chegar; ainda que venha vibrando, cálida, cheia de sentimento, quem sabe se no momento em que é lida já não poderia ter sido escrita? A carta não diz o que a outra pessoa está sentindo, diz o que sentiu a semana passada... e as semanas passam de maneira assustadora os domingos se precipitam mal começam as noites de sábado, as segundas retornam com veemência gritando - “outra semana!” e as quartas já tem um gosto de sexta, e o abril de de-já-hoje é mudado em agosto...

    Sim, há uma frase na carta cheia de calor, cheia de luz; mas a vida presente é traiçoeira e os astrônomos não dizem que muitas vezes ficamos como patetas a ver uma linda estrela jurando pela sua existência – e, no entanto, há séculos ela se apagou na escuridão do caos, sua luz é que custou a fazer a viagem? Direis que não importa a estrela em si mesma, e sim a luz que ela nos manda; e eu vos direi: amai para entendê-las!

    Ao que ama o que lhe importa não é a luz nem o som, é a própria pessoa amada mesma, o seu vero cabelo, e o vero pêlo, o osso de seu joelho, sua terna e úmida presença carnal, o imediato calor; é o de hoje, o agora, o aqui - e isso não há.

    Então a outra pessoa vira retratinho no bolso, borboleta perdida no ar, brisa que a testa recebe na esquina, tudo o que for eco, sombra, imagem, um pequeno fantasma, e nada mais. E a vida de todo dia vai gastando insensivelmente a outra pessoa, hoje lhe tira um modesto fio de cabelo, amanhã apenas passa a unha de leve fazendo um traço branco na sua coxa queimada pelo sol, de súbito a outra pessoa entra em fading um sábado inteiro, está-se gastando, perdendo seu poder emissor a distância.

    Cuidai amar uma pessoa, e ao fim vosso amor é um maço de cartas e fotografias no fundo de uma gaveta que se abre cada vez menos...

    Não ameis a distância, não ameis, não ameis!


BRAGA, R., Coleção Melhores Crônicas, São Paulo, Editora Global, 2013.

Na crônica de Rubem Alves o autor orienta o interlocutor a não manter relacionamento a distância. Contudo, sua opinião foi transmitida no final do século XX, fato que pode ser justificado pela sentença:
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