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Ano: 2018
Banca:
IBGP
Órgão:
Prefeitura de Sarzedo - MG
Prova:
IBGP - 2018 - Prefeitura de Sarzedo - MG - Analista Previdenciário |
Q2052726
Português
Texto associado
A corrupção como violência e ausência de comportamento moral
Por Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Paula Inez Cunha em 24/01/2018 na edição 972
[P1] Somos professoras universitárias há pelo menos três décadas investigando a origem dos comportamentos violentos,
como o do adolescente infrator e do agressor da parceira íntima. Pesquisadoras e cidadãs, observamos que o descalabro
revelado pelas investigações dos últimos três anos sobre a corrupção no alto escalão nacional tem deixado o Brasil
estarrecido. De fato, a corrupção também pode ser considerada uma modalidade de violência, na qual há um acordo entre
pelo menos dois ofensores – o corruptor e o corrompido – para lesar uma terceira parte – no caso, a sociedade brasileira.
Como toda violência, a corrupção, se não freada, tende a aumentar significativamente em frequência e intensidade.
[P2] Curiosamente a imprensa brasileira não tem feito uma análise diversificada sobre a origem da corrupção, restringindo-se a explicações da ciência política ou sociológica, logo o nosso interesse em mostrar como a psicologia pode contribuir
para a compreensão do problema. As consequências nefastas de outras modalidades de violência por nós estudadas sequer
podem ser comparadas à extensão dos danos causados pelos atos de corrupção praticados por presidentes, senadores,
deputados, governadores, políticos, funcionários públicos, empresários, juristas e tantos outros. Isso porque os efeitos
nocivos da corrupção atingem toda a coletividade: na área econômica, com o desemprego; na da saúde, com o adoecimento
e mortes, no caso dos hospitais sucateados; na educacional, com universidades sem verba, escolas públicas abandonadas
e evasão de alunos, os quais, sem outra opção, adotam trajetórias delituosas. Enfim, restam uma população sem esperanças
e o aumento da desigualdade econômica, da qual há tempos somos campeões mundiais. Os corruptos estão tão distantes
dos efeitos de suas ações que tampouco são afetados por elas. Apenas percebem algo errado quando são presos,
investigados, processados e condenados; assim mesmo, sentem-se indignados e vítimas.
[P3] Frente a cenas reais filmadas, nas quais empresários de firmas consideradas modernas descrevem com candura atos
gravíssimos de corrupção ou que revelam a obscenidade de malas robustas com milhões – em moeda nacional ou
estrangeira – obtidos criminosamente, como psicólogas nossas perguntas surgiram inevitáveis. Como tais pessoas
chegaram a tal ponto? Não aprenderam a diferença entre o certo e o errado? Seus pais não lhes ensinaram valores
universais, por exemplo, de “não fazer ao outro o que não gostaria que fizessem a você”? Não lhes ensinaram virtudes,
como a honestidade? Não lhes deram modelos de comportamento moral ou ético, como “não se apropriar do que é do
outro”? Esses ensinamentos passaram ao largo de sua formação enquanto crianças e adolescentes? As emoções morais da
vergonha e da culpa não foram por eles vivenciadas? Seus pais não sabiam que as emoções morais são os mais poderosos
inibidores do comportamento violento? Sim, pois pessoas que sentem culpa ou vergonha se arrependem dos seus atos e
têm baixa probabilidade de voltar a cometê-los. No entanto, é preciso vivenciar essas emoções, e normalmente são os pais
que favorecem tais experiências na infância e adolescência.
[P4] Conhecer a diferença entre o certo e o errado não significa necessariamente ser um indivíduo que adote
comportamento moral. Qualquer investigação científica com condenados criminosos mostra que os mesmos a
discriminam. Somente aqueles que cometem crimes sem conhecê-la e recebem diagnóstico de problemas de saúde mental
podem, se presentes os requisitos legais, ser considerados inimputáveis e cumprem medidas de segurança em Hospital de
Custódia recebendo tratamento Psiquiátrico. Não basta, portanto, conhecer o certo e o errado; é preciso que os valores
sejam incorporados, vivenciados, e praticados regularmente, até fazerem parte da essência do ser humano.
[P5] A empatia – ato de se colocar no lugar do outro – não parece ser identificável no comportamento desses “cidadãos
corruptos”. As pesquisas revelam o aspecto intergeracional da violência, assim pais corruptos têm maior probabilidade de
ter filhos também corruptos. Mas aqui é preciso cuidado. Sabemos que apesar da enorme influência dos pais na formação
e desenvolvimento saudável do indivíduo, os mesmos jamais podem ser “culpados” por todos os erros dos filhos. Portanto,
ainda que não tenha havido negligência no exercício da paternidade quanto ao ensino de valores éticos, há contribuições
biológicas nas condutas criminais, como no caso de indivíduos que por condições cerebrais adversas têm dificuldades
genuínas de serem empáticos. E mais, há fatores individuais e socioculturais a considerar: algumas pessoas são mais
suscetíveis ao poder de persuasão alheio. A cultura brasileira, altamente leniente com a corrupção, favorece
racionalizações, normatizando a corrupção, como alguns mantras: “O brasileiro sempre foi corrupto”, “Sempre existiu
Caixa Dois”, “Não dá para fazer política de outro jeito”, “Os fins justificam os meios”, “Rouba, mas faz”, e assim por
diante.
[P6] Lembramo-nos do filosofo chinês Confúcio, que elaborou, há mais de dois mil anos, um código de conduta em que
somente homens com qualidades morais e éticas, alcançadas por rígida formação, poderiam exercer o poder. Para
Confúcio, o cerne da degradação humana estava na ausência do comportamento moral. Certamente, se pudéssemos avaliar
o comportamento moral de políticos e funcionários públicos envolvidos em corrupção, a grande maioria seria reprovada
para o exercício de sua função.
[P7] O Congresso Nacional aprova leis em seu próprio benefício. Sem dúvida. Por que seria diferente? Por que os
legisladores abririam mão de seus privilégios e negociatas? Os adolescentes e adultos infratores com os quais trabalhamos
também não recusariam o lucro ilícito espontaneamente. O agressor de mulheres não deixa de fazê-lo porque percebe que
a companheira sofre.
[P8] Dessa maneira, o adolescente infrator e o agressor da parceira íntima precisam de tratamento para mudar. Haveria
tratamento para corruptos? Na ausência de evidências científicas preferimos não especular.
[P9] Melhor mesmo é refundar o Brasil com outro perfil de políticos, funcionários públicos, empresários e demais agentes
envolvidos de alguma forma na execução da função pública, e, paralelamente, alterar nossa cultura, a fim de combater e
prevenir a corrupção em todas as suas modalidades – a sistêmica, sindrômica e a privada (aqueles atos banais praticados
no dia a dia).
[P10] Para que o Brasil se modernize e seja mais igualitário em oportunidades e resultados, concordamos que a luta contra
a corrupção deve ser realizada em todos os espaços, a começar pelos lares brasileiros, seguido por nossas escolas e a
sociedade em geral. Tal tarefa hercúlea, talvez inédita, não será fácil, requerendo criatividade e esforços sistêmicos. Como
se muda um aspecto generalizado e doentio de nossa cultura? Nossa sugestão seria convocar pais brasileiros a refletir
sobre seu papel em criar filhos éticos que se comportem moralmente; nossas escolas estimuladas a questionar os impactos
de comportamentos que destoem da conduta ética, agindo para preveni-los – algo frontalmente distante daquilo que a
ditadura chamou de Educação Moral e Cívica. Para isso teríamos que convocar o apoio das ciências humanas, entre as
quais a Psicologia faz uma contribuição marcante na pesquisa de prevenção à violência. Por fim, toda a sociedade
precisaria se engajar nesse movimento de refundar o Brasil para nos transformarmos em uma nação menos corrupta e
violenta.
Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-publico/corrupcao-como-violencia-e-ausencia-de-comportamento-moral/>.
Acesso: 01 fev. 2018. (Adaptado).
Em todos os trechos, o vocábulo “que” funciona como
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