Em “A observação do presente leva-nos até a descer dos exem...
Tempo incerto
Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de nada: para se fazer alguma coisa é preciso aliar a um impulso de aventura grandes sombras de dúvida. Não se acredita mais nem na existência de gente honesta; e os bons têm medo de exercitarem sua bondade, para não serem tratados de hipócritas ou de ingênuos.
Chegamos a um ponto em que a virtude é ridícula e os mais vis sentimentos se mascaram de grandiosidade, simpatia, benevolência. A observação do presente leva-nos até a descer dos exemplos do passado: os varões ilustres de outras eras terão sido realmente ilustres? Ou a História nos está contando as coisas ao contrário, pagando com dinheiro dos testamentos a opinião dos escribas?
Se prestarmos atenção ao que nos dizem sobre as coisas que nós mesmos presenciamos – ou temos que aceitar a mentira como a arte mais desenvolvida do nosso tempo, ou desconfiaremos do nosso próprio testemunho, e acabamos no hospício!
Pois assim é, meus senhores! Prestai atenção às coisas que vos contam, em família, na rua, nos cafés, em várias letras de forma, e dizei-me se não estão incertos os tempos e se não devemos todos andar de pulga atrás da orelha!
A minha esperança estava no fim do mundo, com anjos descendo do céu; anjos suaves e anjos terríveis; os suaves para conduzirem os que se sentarão à direita de Deus, e os terríveis para os que se dirigem ao lado oposto. Mas até o fim do mundo falhou; até os profetas se enganam, a menos que as rezas dos justos tenham podido adiar a catástrofe que, afinal, seria também uma apoteose. E assim continuaremos a quebrar a cabeça com estes enigmas cotidianos. Mas agora, além dos criados, pensam os patrões, as patroas, os amigos e inimigos de uns e de outros e todo o resto da massa humana. E não só pensam, como também pensam que pensam! E além de pensarem que pensam, pensam que têm razão! E cada um é o detentor exclusivo da razão!
Os pedestres pensam que devem andar pelo meio da rua. Os motoristas pensam que devem pôr os veículos nas calçadas. Até os bondes, que mereciam a minha confiança, deram para sair dos trilhos. Os analfabetos, que deviam aprender, ensinam! Os ladrões vestem-se de policiais, e saem por aí a prender os inocentes! Os revólveres, que eram considerados armas perigosas, e para os quais se olhava à distância, como quem contempla a Revolução Francesa ou a Guerra do Paraguai – pois os revólveres andam agora em todos os bolsos, como troco miúdo. E a vocação das pessoas, hoje em dia, não é para o diálogo com ou sem palavras, mas para balas de diversos calibres. Perto disso, a carestia da vida é um ramo de flores. O que anda mesmo caro é a alma. E o Demônio passeia pelo mundo, glorioso e impune.
(MEIRELES, Cecília, 1901-1964. Escolha o seu sonho: Crônicas – 26ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. Com adaptações.)
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Gabarito comentado
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Alternativa correta: C - Provocar questionamentos.
Vamos analisar a questão. O tema central é a pontuação, mais especificamente o uso do ponto de interrogação. A questão pede para identificar a finalidade do ponto de interrogação na frase retirada do texto.
Primeiramente, observe a frase:
"A observação do presente leva-nos até a descer dos exemplos do passado: os varões ilustres de outras eras terão sido realmente ilustres? Ou a História nos está contando as coisas ao contrário, pagando com dinheiro dos testamentos a opinião dos escribas?"
O ponto de interrogação é um sinal de pontuação que, em geral, é utilizado para indicar uma pergunta direta. No contexto desse trecho, a autora está levantando questões sobre a veracidade das histórias e virtudes do passado. Vamos agora justificar a escolha da alternativa correta e explicar por que as demais estão incorretas.
Justificativa da Alternativa C:
A alternativa C é a correta porque o ponto de interrogação na frase está provocando questionamentos sobre a autenticidade dos relatos históricos e a legitimidade das figuras ilustres do passado. A autora não está afirmando algo com certeza; ao contrário, está levantando dúvidas, incitando o leitor a refletir e questionar a versão tradicional da história.
Análise das Alternativas Incorretas:
A - Impedir dúvidas: Esta alternativa está incorreta porque o ponto de interrogação, de fato, não impede dúvidas, mas sim as cria. A utilização desse sinal de pontuação neste contexto é justamente para levantar questões e não para impedir que existam dúvidas.
B - Indicar certeza dos fatos: Esta alternativa também está incorreta. O ponto de interrogação não indica certeza, mas sim incerteza e questionamento. A função desse sinal é o oposto de afirmar algo com certeza.
D - Contestar o pensamento da autora: Essa alternativa está equivocada. O ponto de interrogação não está contestando o pensamento da autora, mas sim reforçando a sua intenção de questionar a veracidade das informações históricas que são tradicionalmente aceitas.
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Comentários
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C-Provocar questionamentos
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Provocar questionamentos.
- O ponto de interrogação tem a função de induzir o leitor a entoar a frase em que ele é colocado como uma pergunta ou uma dúvida.
A questão é de pontuação e quer saber por qual motivo o ponto de interrogação foi usado em “A observação do presente leva-nos até a descer dos exemplos do passado: os varões ilustres de outras eras terão sido realmente ilustres? Ou a História nos está contando as coisas ao contrário, pagando com dinheiro dos testamentos a opinião dos escribas?” . Vejamos:
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- Nesse caso, o ponto de interrogação foi usado com a finalidade de provocar questionamentos (perguntas).
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PONTO DE INTERROGAÇÃO
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- Usa-se no fim de uma palavra, oração ou frase, para indicar pergunta direta, que se faz com entoação ascendente:
"- Aonde? perguntou Dona Plácida." (Machado de Assis)
- Aparece, às vezes, no fim de uma pergunta intercalada, que pode, ao mesmo tempo, estar entre parênteses:
"A imprensa (quem o contesta?) é o mais poderoso meio que se tem inventado para a divulgação do pensamento." (Carlos Laef)
- Outras vezes combina-se com o ponto de exclamação ou as reticências:
"- A mim?! Que ideia!" (Camilo Castelo Branco)
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Referência: CEGALLA, Domingos Pascoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, 48.ª edição, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008, pág. 431.
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Gabarito: Letra C
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