Na crônica, a linguagem figurada é marca registrada, a fim d...
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Ano: 2017
Banca:
FAEPESUL
Órgão:
Prefeitura de São João Batista - SC
Prova:
FAEPESUL - 2017 - Prefeitura de São João Batista - SC - Advogado |
Q1348367
Português
Texto associado
Sobre o morrer
“Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que querem
chegar ao paraíso. Mas a morte é o destino de todos
nós.” (Steve Jobs)
Odeio a ideia de morte repentina, embora todos
achem que é a melhor. Discordo. Tremo ao pensar que
o jaguar negro possa estar à espreita na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para
escrever o meu haikai.
Mallarmé tinha o sonho de escrever um livro com uma palavra só. Achei-o louco. Depois compreendi. Para escrever um livro assim, de uma palavra só, seria preciso ter-se tornado sábio, infinitamente sábio. Tão sábio que soubesse qual é a última palavra, aquela que permanece solitária depois que todas as outras se calaram. Mas isso é coisa que só a Morte ensina. Mallarmé certamente era seu discípulo.
Mallarmé tinha o sonho de escrever um livro com uma palavra só. Achei-o louco. Depois compreendi. Para escrever um livro assim, de uma palavra só, seria preciso ter-se tornado sábio, infinitamente sábio. Tão sábio que soubesse qual é a última palavra, aquela que permanece solitária depois que todas as outras se calaram. Mas isso é coisa que só a Morte ensina. Mallarmé certamente era seu discípulo.
O último haikai é isto: o esforço supremo para dizer a
beleza simples da vida que se vai. Tenho terror de ser
enganado. Se estiver para morrer, que me digam. Se
me disserem que ainda me restam dez anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada na teia das medíocres,
mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam
seis meses, então tudo se torna repentinamente puro
e luminoso. Os não essenciais se despregam do corpo,
como escamas inúteis.
A Morte me informa sobre o que realmente importa. Me daria o luxo de escolher as pessoas com quem conversar. E poderia ficar em silêncio, se o desejasse. Perante a morte tudo é desculpável… Creio que não mais
leria prosa. Com algumas exceções: Nietzsche, Camus,
Guimarães Rosa. Todos eles foram aprendizes da
mesma mestra. E certo que não perderia um segundo
com filosofia. E me dedicaria à poesia com uma volúpia
que até hoje não me permiti. Porque a poesia pertence
ao clima de verdade e encanto que a Morte instaura. E
ouviria mais Bach e Beethoven. Além de usar meu
tempo no prazer de cuidar do meu jardim…
Curioso que a Morte nada tenha a dizer sobre si
mesma. A Morte me informa sobre o que realmente
importa. Quem sabe sobre a Morte são os vivos. A
Morte, ao contrário, só fala sobre a Vida, e depois do
seu olhar tudo fica com aquele ar de “ausência que se
demora, uma despedida pronta a cumprir-se” (Cecília Meireles). E ela nos faz sempre a mesma pergunta:
“Afinal, que é que você está esperando?” (...)
Às vezes ela chega perto demais, o susto é infinito, e
até deixa no corpo marcas de sua passagem. Mas se
tivermos coragem para a olharmos de frente é certo
que ficaremos sábios e a vida ganhará simplicidade e a
beleza de um haikai.
(Rubem Alves)
Na crônica, a linguagem figurada é marca registrada, a fim de dar ao texto ainda mais expressividade. Identifique a alternativa que não exemplifica
essa característica do texto: