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Ano: 2017 Banca: IBADE Órgão: PC-AC Prova: IBADE - 2017 - PC-AC - Agente de Polícia Civil |
Q812613 Português
Texto para responder à questão.

O Dia da Consciência Negra 
[...] 
        O assunto é delicado; em questão de raça, deve-se tocar nela com dedos de veludo. Pode ser que eu esteja errada, mas parece que no tema de raça, racismo, negritude, branquitude, nós caímos em preconceito igual ao dos racistas. O europeu colonizador tem - ou tinha - uma lei: teve uma parte de sangue negro - é negro. Por pequena que seja a gota de sangue negro no indivíduo, polui-se a nobre linfa ariana, e o portador da mistura é "declarado negro”. E os mestiços aceitam a definição e - meiões, quarteirões, octorões - se dizem altivamente “negros", quando isso não é verdade. Ao se afirmar “negro” o mestiço faz bonito, pois assume no total a cor que o branco despreza. Mas ao mesmo tempo está assumindo também o preconceito do branco contra o mestiço. Vira racista, porque, dizendo-se negro, renega a sua condição de mulato, mestiço, half-breed, meia casta, marabá, desprezados pela branquidade. Aliás, é geral no mundo a noção exacerbada de raça, que não afeta só os brancos, mas os amarelos, vermelhos, negros; todos desprezam o meia casta, exemplo vivo da infração à lei tribal.
        Eu acho que um povo mestiço, como nós, deveria assumir tranquilamente essa sua condição de mestiço; em vez de se dizer negro por bravata, por desafio - o que é bonito, sinal de orgulho, mas sinal de preconceito também. Os campeões nossos da negritude, todos eles, se dizem simplesmente negros. Acham feio, quem sabe até humilhante, se declararem mestiços, ou meio brancos, como na verdade o são. “Black is beautiful” eu também acho. Mas mulato é lindo também, seja qual for a dose da sua mistura de raça. Houve um tempo, antes de se desenvolver no mundo a reação antirracista, em que até se fazia aqui no Rio o concurso “rainha das mulatas”. Mas a distinção só valia para a mulata jovem e bela. Preconceito também e dos péssimos, pois a mulata só era valorizada como objeto sexual, capaz de satisfazer a consciência dos homens.
        A gente não pode se deixar cair nessa armadilha dos brancos. A gente tem de assumir a nossa mulataria. Qual brasileiro pode jurar que tem sangue “puro” nas veias, - branco, negro, árabe, japonês?         Vejam a lição de Gilberto Freyre, tão bonita. Nós todos somos mestiços, mulatos, morenos, em dosagens várias. Os casos de branco puro são exceção {como os de índios puros - tais os remanescentes de tribos que certos antropólogos querem manter isolados, geneticamente puros - fósseis vivos - para eles estudarem...). Não vale indagar se a nossa avó chegou aqui de caravela ou de navio negreiro, se nasceu em taba de índio ou na casa-grande. Todas elas somos nós, qualquer procedência Tudo é brasileiro. Quando uma amiga minha, doutora, participante ilustre de um congresso médico, me declarou orgulhosa “eu sou negra” - não resisti e perguntei: “Por que você tem vergonha de ser mulata?” Ela quase se zangou. Mas quem tinha razão era eu. Na paixão da luta contra a estupidez dos brancos, os mestiços caem justamente na posição que o branco prega: negro de um lado, branco do outro. Teve uma gota de sangue africano é negro - mas tendo uma gota de sangue branco será declarado branco? Não é.
        Ah, meus irmãos, pensem bem. Mulata, mulato também são bonitos e quanto! E nós todos somos mesmo mestiços, com muita honra, ou morenos, como o queria o grande Freyre. Raça morena, estamos apurando. Daqui a 500 anos será reconhecida como “zootecnicamente pura" tal como se diz de bois e de cavalos. Se é assim que eles gostam!
QUEIROZ, Rachel. O Dia da Consciência Negra. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23nov. 2002. Brasil, caderno 2, p. D16, 
Vocabulário: 
half-bread:mestiço.
marabá: mameluco.
meião, quarteirão e octorão: pessoas que têm, respectivamente, metade, um quarto e um oitavo de sangue negro.
“Black is beautiful”: “O negro é bonito

Sobre o texto leia as afirmativas a seguir. I. A autora mostra sua opinião sobre uma questão de cidadania a fim de fazer com que o leitor pare para refletir e valorize o mestiço como raça, não como estereótipo de beleza ou de sexualidade. II. A referência ao europeu colonizador norteia a discussão e aponta para a importância da data além de enfatizaro orgulho do negro. III. A autora conta os acontecimentos, situando-os no tempo e no espaço, chamando atenção para uma verdade peculiar ao século passado. Está correto o que se afirma em:
Alternativas

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Comentários

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A) Certo, é o principal assunto do texto.

B)Creio que o erro é porque a referência ao europeu colonizador não enfatiza o orgulho negro, e sim o costume de considerar negro quem tem uma parte do sangue negro.

C)A verdade não é peculiar ao século passado, mas até atualmente -> é possível perceber isso quando a autora coloca os verbos no tempo presente.

texto feito por uma preconceituosa

quanto ao item II, acho que o erro está em "a importância da data", pois apesar de serem feitas algumas remições (para datas) não há preponderância de uma sobre a outra.

sobre a III

Quando o texto fala  "O europeu colonizador tem - ou tinha - uma lei: teve uma parte de sangue negro - é negro", está se referindo a uma realidade do passado e também presente no momento atual, ou seja, não é peculiar daquela época.

 

Com a devida preponderância, ouso comentar tal questão, apesar de tê-la acertado, por eliminação, visto que as alternativas II e III estão veementemente erradas, conforme a professora Isabel Veiga de forma brilhante esplicou. Todavia, a assertiva I me chamou atenção. Vou dividi-la em partes:

 

"A autora mostra sua opinião sobre uma questão de cidadania". Essa parte acredito estar OK, não há como deixar de dizer que o tema racismo não envolve cidadania. Sempre envolve.

 

"a fim de fazer com que o leitor pare para refletir e valorize o mestiço como raça" Essa parte está corretíssima, visto que o texto em sua integralidade tem o intuito de valorizar a raça mestiça, e instruir as pessoas a não terem vergonha de se atribuir tal raça. 

 

"não como estereótipo de beleza ou de sexualidade"  Aqui é que vem a confusão. Apesar de o texto citar em seu segundo parágrafo na parte final um caso pretérito em que "houve um tempo que havia o concurso das mulatas [...] mulata só era valorizada como objeto sexual", a ideia CENTRAL do texto não é essa. Não é "fazer com que o leitor valorize o mestiço como raça, e não como esteótipo de beleza". A assertiva, de forma equivocada, ao dizer que valorizamos o mestiço pela beleza ou sexualidade, nos restrige a esse único pensamento, o que não é verdade. O texto cita vários argumentos que demonstram OUTROS MOTIVOS para se valorizar o mestiço como raça, e não apenas pelo fato da sexualidade ou beleza. Tive muita dificuldade pra assinalar esse item como certo, e se fosse uma prova de CERTO/ERRADO marcaria errado ou deixaria em branco. Até porque a banca poderia muito bem decidir se o item é certo ou errado, pois a linha entre o certo e o errado nesse caso é muito tênue, conforme expliquei.

 

Espero que tenha ficado claro. Aberto a criticas, sempre. 

 

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