Acerca do bem e do mal Fulano é “do bem”, Sicrano é “do ma...
Fulano é “do bem”, Sicrano é “do mal”. Não, não são crianças comentando um filme de mocinho e bandido; são frases de adultos, reiteradas a propósito das mais diferentes pessoas, nas mais diversas situações. O julgamento definitivo e em preto e branco que elas implicam parece traduzir o esforço de adotar, em meio ao caldeirão de valores da sociedade moderna, um princípio básico de qualificação moral e ética. Essa oposição rudimentar revela a necessidade que temos de estabelecer algum juízo de valor para a orientação da nossa própria conduta. Tal busca de discernimento é antiga, e em princípio é legítima: está na base de todas as culturas, dá sustentação a religiões e inspira ideologias, provoca os filósofos, os juristas, os políticos. O perigo está em que o movimento de busca cesse e dê lugar à paralisia dos valores estratificados.
O exemplo pode vir de cima: quando um chefe de poderosa nação passa a classificar países inteiros como integrantes do “eixo do mal”, está-se proclamando como representante dos que constituiriam o “eixo do bem”. Essa divisão tosca é, de fato, muito conveniente, pois faculta ao mais forte a iniciativa de intervir na vida e no espaço do mais fraco, sob a alegação de que o faz para preservar os chamados “valores fundamentais da humanidade”. Interesses estratégicos e econômicos são, assim, mascarados pela suposta preservação de princípios da civilização. A História já nos mostrou, sobejamente, a que levam tais ideologias absolutistas, que se atribuem o direito de julgar o outro segundo o critério da religião que este professa, do regime político que adota, da etnia a que pertence. A intolerância em relação às diferenças culturais, por exemplo, acaba levando o mais forte à subjugação das pessoas “diferentes” – e mais fracas. É quando a ética sai de cena, para dar lugar à barbárie. A busca de distinção entre o que é “do bem” e o que é “do mal” traz consigo um dilema: por um lado, não podemos dispensar alguma bússola de orientação ética e moral, que aponte para o que parece ser o justo, o correto, o desejável; por outro lado, se o norteamento dos nossos juízos for inflexível como o teimoso ponteiro, comprometemos de vez a dinâmica que é própria da história e dos valores humanos. Não há, na rota da civilização, leis eternas, constituições que não admitam revisões, costumes inalteráveis. A escolha do critério de julgamento é sempre crítica e sofrida, quando responsável; dispensando-se, porém, a responsabilidade dessa escolha, restará a terrível fatalidade dos dogmas. Lembrando o instigante paradoxo de um filósofo francês, “estamos condenados a ser livres”. Nessa compulsória liberdade, de que fala o filósofo, a escolha entre o que é “do bem” e o que é “do mal” é uma questão sempre viva, que merece ser analisada e enfrentada em suas particulares manifestações históricas. Se assim não for, estará garantido um espaço cada vez maior para a ação dos fundamentalistas de todo tipo. (Cândido Otoniel de Almeida)
Considere as seguintes afirmações:
I. A referência a um chefe de poderosa nação (2º parágrafo) abre a demonstração de que há ideologias absolutistas e intolerantes que se sustentam pela força. II. Julgamento (...) em preto e branco (1º parágrafo) e divisão tosca (2º parágrafo) são expressões que ajudam a esclarecer o sentido de norteamento (...) inflexível (3º parágrafo). III. A frase “estamos condenados a ser livres” (3º parágrafo) instiga o autor do texto a justificar a posição dos fundamentalistas de todo tipo (3º parágrafo).
Em relação ao texto, está correto o que se afirma em
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Alternativa correta: D - I e II, somente.
O texto apresenta uma reflexão sobre a dicotomia entre "bem" e "mal" e como essa distinção simplista pode levar a consequências negativas, como a intolerância e a imposição de ideologias absolutistas. Através dos parágrafos, o autor debate os perigos de uma visão inflexível de moralidade e a necessidade de uma abordagem mais reflexiva e menos dogmática ao julgar o comportamento humano.
Na afirmação I, o autor aponta como as ideologias absolutistas e intolerantes podem encontrar sustentação na força, exemplificada pela referência a um chefe de nação que classifica outros países como parte de um "eixo do mal". Isso demonstra uma simplificação perigosa que pode justificar ações de intervenção sob a bandeira de valores morais, quando, muitas vezes, interesses estratégicos e econômicos estão em jogo.
Na afirmação II, as expressões "julgamento em preto e branco" e "divisão tosca" reforçam a crítica do autor à rigidez moral que não permite nuances ou considerações mais profundas nas avaliações éticas. Essas expressões estão alinhadas com a ideia apresentada no terceiro parágrafo sobre o "norteamento inflexível" dos juízos e a necessidade de evitar a paralisia dos valores estratificados.
Contudo, a afirmação III é incorreta porque o autor não justifica a posição dos fundamentalistas. Em vez disso, ele utiliza o paradoxo "estamos condenados a ser livres" para destacar a responsabilidade que acompanha a liberdade de escolha, especialmente em contextos éticos e morais. A escolha entre o que é considerado "bem" e "mal" é complexa e deve ser continuamente analisada e desafiada para evitar a ascensão de fundamentalismos.
Portanto, as afirmações I e II estão corretas e estão em sintonia com o argumento central do texto, que é uma crítica à simplificação e rigidez nas distinções morais e um apelo à reflexão ética responsável.
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