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Q2630714 Português

O funileiro


O funileiro que se instalou à sombra de uma árvore, na minha rua, é um italiano do sul. “Nós somos quase todos italianos – diz ele. Mas tem de tudo. Tem muito cigano. Aí para Engenho de Dentro tem cigano que faz até tacho de cobre.”

– O senhor não faz?

Abana a cabeça. Trabalha entre Copacabana e Ipanema, onde ninguém quer tacho de cobre. Sinto, por um instante, a tentação de lhe encomendar um tacho de cobre. Mas percebo que é um desejo pueril, um eco da infância.

O grande e belo tacho de cobre que eu desejo, ele não poderia fazê-lo; ninguém o poderia. Não é apenas um objeto de metal, é o centro de muitas cenas perdidas, e a distância no tempo o faz quase sagrado, como se o fogo vermelho e grosso em que se faziam as goiabadas cheirosas fossem as chamas da pira de um rito esquecido. Em volta desse tacho há sombras queridas que sumiram, e vozes que se apagaram. As mãos diligentes que areavam o metal belo também já secaram, mortas.

Inútil enfeitar uma sala com vasilhame de cobre; a lembrança dos grandes tachos vermelhos da infância é incorruptível, e seria transformar uma parte da própria vida em motivo de decoração. Que emigrado da roça não sentiu uma indefinível estranheza e talvez um secreto mal-estar a primeira vez que viu, pregada na parede de um apartamento de luxo, um estribo de caçamba? É como se algo de sólido, de belo, de antigo, fosse corrompido; a caçamba sustenta, no lugar da bota viril de algum alto e rude tio da lavoura, um ramalhete de flores cor-de-rosa...

A beleza, suprema bênção das coisas e das criaturas, é também um pecado, punido pelo desvirtuamento que desliga o que é belo de sua própria função para apresentá-lo apenas em sua forma. O antique tem sempre um certo ar corrupto e vazio; é como se a sua beleza viesse de sua função e utilidade; e desligada destas assume um ar equívoco... O antique é sempre falso; é uma coisa antiga que deixa de ser coisa para ser apenas antiga. A caçamba de teu apartamento jamais é autêntica. Pode tê-lo sido, não é mais: é apenas um vaso de metal, para flores.

A tua caçamba, homem do apartamento, pode estar perfeita e brilhante; falta-lhe a lama dos humildes caminhos noturnos por onde teu cavalo não marchou; nunca terás por ela a amizade inconsciente mas profunda do homem que a usou longamente como estribo, que a teve na sua função, e não como vaso de flores.

O velho italiano conversa comigo enquanto bate, sabiamente, contra o ferro do cabeceiro, com um martelo grosso, o fundo de uma panela de alumínio. Mas são longas as conversas do funileiro; são longas como as ruas em que ele anda, longas como os caminhos da recordação.


(BRAGA, Rubem. In: 200 Crônicas Escolhidas – Círculo do Livro S.A.)

Levando-se em consideração que adjetivo é toda palavra que caracteriza o substantivo, indicando-lhe qualidade, defeito, estado, condição etc., assinale a afirmativa textual que NÃO evidencia tal classe gramatical.

Alternativas

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A questão aborda a identificação de um adjetivo dentro de um texto, ou seja, uma palavra que caracteriza o substantivo, indicando-lhe qualidade, defeito, estado, condição, etc. Para resolver essa questão, é necessário compreender o conceito de adjetivo e saber identificá-lo em uma frase.

Alternativa Correta: D

A alternativa D apresenta a palavra "estranheza". Esta palavra é um substantivo, não um adjetivo. Substantivo é a classe que dá nome a seres, objetos, sentimentos, etc. No contexto da frase, "estranheza" não está caracterizando outro substantivo, mas sim sendo o núcleo de uma expressão nominal.

Justificativas para as Alternativas Incorretas:

Alternativa A: A palavra "perdidas" é um adjetivo, pois caracteriza o substantivo "cenas", indicando sua condição de estarem perdidas.

Alternativa B: A palavra "queridas" também é um adjetivo, descrevendo o substantivo "sombras", indicando uma qualidade afetiva a elas atribuída.

Alternativa C: A palavra "velho" é um adjetivo, já que caracteriza o substantivo "italiano", indicando a idade ou condição de ser um italiano de idade avançada.

Portanto, a única alternativa que não apresenta um adjetivo é a alternativa D, que usa um substantivo ("estranheza").

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Comentários

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Sim, "velho" é um adjetivo, mas, na frase "o velho italiano conversava comigo", ele está qualificando o substantivo "italiano", que é o núcleo do sujeito. Mesmo que "velho" seja um adjetivo, o sujeito completo da frase é "o velho italiano", sendo "italiano" o núcleo do sujeito, enquanto "velho" funciona como um adjunto adnominal (um termo que complementa o substantivo).

Essa banca é tão espertinha que coloca o Artigo antes do Adjeto na penúltima alternativa só pra pegar o cara cansado. Brincadeira, meu amigo.

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