O texto pertence à tipologia narrativa e, pelo modo com que...
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Com base no mesmo assunto
Ano: 2022
Banca:
IBFC
Órgão:
DETRAN-DF
Prova:
IBFC - 2022 - DETRAN-DF - Analista em Atividades de Trânsito |
Q1994500
Português
Texto associado
Texto I
Eu deveria cantar.
Rolar de rir ou chorar, eu deveria, mas tinha
desaprendido essas coisas. Talvez então pudesse
acender uma vela, correr até a igreja da Consolação,
rezar um Pai Nosso, uma Ave Maria e uma Glória ao
Pai, tudo que eu lembrava, depois enfiar algum trocado,
se tivesse, e nos últimos meses nunca, na caixa de
metal “Para as Almas do Purgatório”. Agradecer, pedir
luz, como nos tempos em que tinha fé.
Bons tempos aqueles, pensei. Acendi um
cigarro. E não tomei nenhuma dessas atitudes,
dramáticas como se em algum canto houvesse sempre
uma câmera cinematográfica à minha espreita. Ou
Deus. Sem juiz nem plateia, sem close nem zoom,
fiquei ali parado no começo da tarde escaldante de
fevereiro, olhando o telefone que acabara de desligar.
Nem sequer fiz o sinal da cruz ou levantei os olhos para
o céu. O mínimo, suponho, que um sujeito tem a
obrigação de fazer nesses casos, mesmo sem
nenhuma fé, como se reagisse a uma espécie de
reflexo condicionado místico.
Acontecera um milagre. Um milagre à toa, mas
básico para quem, como eu, não tinha pais ricos,
dinheiro aplicado, imóveis, nem herança e apenas
tentava viver sozinho numa cidade infernal como
aquela que trepidava lá fora, além da janela ainda
fechada do apartamento. Nada muito sensacional, tipo
recuperar de súbito a visão ou erguer-se da cadeira de
rodas com o semblante beatificado e a leveza de quem
pisa sobre as águas. Embora a miopia ficasse cada vez
mais aguda e os joelhos tremessem com frequência,
não sabia se fome crônica ou pura tristeza, meus olhos
e pernas ainda funcionavam razoavelmente. Outros
órgãos, verdade, bem menos.
Toquei o pescoço. E o cérebro, por exemplo.
Já chega, disse para mim mesmo, parado nu
no meio da penumbra gosmenta do meio-dia. Pense
nesse milagre, homem. Singelo, quase insignificante na
sua simplicidade, o pequeno milagre capaz de trazer
alguma paz àquela série de solavancos sem rumo nem
ritmo que eu, com certa complacência e nenhuma
originalidade, estava habituado a chamar de minha
vida, tinha um nome. Chamava-se – um emprego.
(ABREU, Caio Fernando. Onde andará Dulce Veiga? São Paulo:
Planeta De Agostini, 2003, p.11-12).
O texto pertence à tipologia narrativa e, pelo
modo com que é estruturado, oferece ao leitor: