O sujeito pede aos amigos para ajuda-lo a desfazer o sofá. P...
Móveis ao mar
Vi num programa de televisão que, entre as inúmeras melhorias necessárias para as Olimpíadas do Rio, está “a limpeza da Baía de Guanabara”. Dita a frase, a TV mostrou um sofá, encalhado num mangue: três lugares, revestimento acetinado, puxando pro lilás, com os assentos enlameados sendo disputados por dois urubus. Incrível.
Não pretendo, de forma alguma, desmerecer o Rio. Quando vi o presidente do COI tirando o cartão do envelope e dizendo Rrrio de Rrranêro, no início do mês, lágrimas cruzaram minhas bochechas, tão rápidas quanto, imagino, canoas e barcos à vela singrarão as águas da rediviva Cidade Maravilhosa, daqui seis anos e meio. A amplitude de meu desespero vai muito além das pequenas rixas regionais: como pode um ser humano, oh céus!, jogar um sofá no mar?
Todos nós já nos encontramos na rua, algum dia, com um papel de bala na mão, ou uma latinha de refrigerante, olhando em volta, em busca de uma lixeira. Muitos de nós, não encontrando nenhuma, já jogaram o papel no chão, colocaram a latinha num canto, ou ao lado de um saco de lixo – como se, durante a noite, por osmose, quem sabe, ela fosse parar do lado de dentro do plástico preto. Agora, até onde pude ver, nesses trinta e dois anos sobre a Terra, as pessoas não andam por aí com sofás velhos nos ombros. Sequer com poltronas. Nem mesmo uma almofada costuma-se levar à rua. Para se atirar um móvel ao mar, portanto, é preciso não apenas má fé, mas esforço, engenho, planejamento e trabalho em equipe.
Imagino o sujeito, lá pela quarta-feira, ligando pros amigos: “Ô Gouveia, tudo bom? É o Túlio. Seguinte, tô precisando de uma forcinha aí, no sábado, pra jogar um sofá da ponte…”; “Maravilha, Valdeci! Então sábado à tarde cê traz a Kombi do teu cunhado e a gente resolve o problema”; “Fica tranquilo, Murilão, depois a gente volta aqui e faz um churrasquinho!”.
Sábado à tarde, os amigos se reúnem. O Valdeci com a Kombi do cunhado, o Murilão e o Gouveia cheios de entusiasmo, o Túlio pondo as Brahmas pra gelar, enquanto sua mulher orienta os homens na sala: “cuidado com o batente”, “olha o abajur, o abajur, Gouveia!”
Chegam à ponte. Param no acostamento. Tiram o sofá da caçamba, contam um, dois, e lá vão os… Pronto, atiraram o sofá no mar. O sofá boia. Os três o contemplam, sendo levado pela correnteza, naquele silêncio que só as verdadeiras amizades permitem. Túlio brinca: “saravá, Iemanjá!”. Depois vão comer churrasco. Incrível.
Antônio Prata
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Gabarito comentado
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Alternativa Correta: C - Os amigos acharam natural o pedido, pois já tinham participado de outras experiências semelhantes.
Tema Central da Questão:
A questão centraliza-se na interpretação do comportamento dos amigos ao serem solicitados a ajudar a jogar um sofá no mar. Para resolver a questão, é essencial compreender o tom de ironia e crítica presente no texto, que explora o absurdo da situação através de uma narrativa exagerada e humorística.
Justificativa da Alternativa Correta:
A alternativa C é correta porque, no texto, os amigos não demonstram estranheza ou indignação. Pelo contrário, a narrativa satírica sugere que eles se unem com entusiasmo para realizar a tarefa absurda, como se a situação fosse algo habitual e até motivo de celebração, culminando em um churrasco.
Análise das Alternativas Incorretas:
A - Os amigos estranharam tal pedido, uma vez que não parecia algo comum para eles.
Essa alternativa está incorreta porque não há no texto qualquer indicação de que os amigos consideram o pedido estranho. O tom do texto, ao contrário, sugere que a situação é aceita sem questionamento.
B - Os amigos ficaram indignados e revoltados com a atitude do outro.
Incorreta, pois a narrativa não mostra qualquer indignação ou revolta. Os amigos participam da situação de forma colaborativa e até humorística.
D - Os amigos o aconselharam a não fazer tal ato, pois para eles era uma atitude irresponsável e sem princípios.
Essa alternativa também está errada, já que em nenhum momento os amigos demonstram preocupação ética ou aconselham a não realizar a ação. O texto sugere justamente o contrário: uma normalização do comportamento ilógico.
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Comentários
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Resposta: C
A conversa foi esta: “Ô Gouveia, tudo bom? É o Túlio. Seguinte, tô precisando de uma forcinha aí, no sábado, pra jogar um sofá da ponte…”; “Maravilha, Valdeci! Então sábado à tarde cê traz a Kombi do teu cunhado e a gente resolve o problema”; “Fica tranquilo, Murilão, depois a gente volta aqui e faz um churrasquinho!”.
Apesar de não revelar que os amigos "já tinham participado de outras experiências semelhantes", a alternativa C, por exclusão às outras que insistem em pintar uma reação negativa ao pedido de Túlio, é a correta.
Velho, que viagem foi essa de " pois já tinham participado de outras experiências semelhantes. " ?! Tudo bem que essa é a mais correta das opções e que todas as outras estão totalmente erradas... Mas, porra, não dá pra justificar essa informação a mais tirada do nada aí não.
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