O texto “Tristeza de cronista” apresenta reiterado uso dos p...
Tristeza de Cronista
A moça viera da cidade para os lados de Botafogo. No ônibus repleto, dois rapazes de pé conversavam, e sua conversa era ouvida por todos os passageiros. (Inconveniente dos hábitos atuais). Eram dois rapazes modernos, bem vestidos, bem nutridos. (Ah! Este excesso de vitaminas e de esportes!). Um não conhecia quase nada da cidade e outro servia-lhe de cicerone. Mostrava-lhe, pois, a avenida e os seus principais edifícios, a Cinelândia, o Obelisco, o Monumento dos Pracinhas, o Museu de Arte Moderna, o Aterro, o mar...
O outro interessava-se logo pelas minúcias: qual o melhor cinema? Quantos pracinhas estão ali? que se pode ver no museu? Mas os ônibus andam tão depressa e caprichosamente que as perguntas e respostas se desencontravam. (Que fôlego humano pode competir com o de um ônibus?).
Quanto ao Pão de Açúcar, o moço não manifestou grande surpresa: já o conhecia de cartões-postais;
apenas exprimiu o seu receio de vir o carrinho a enguiçar. Mas o outro combateu com energia tal receio, como se ele mesmo fosse o engenheiro da empresa ou, pelo menos, agente turístico.
Assim chegaram a Botafogo, e a atenção de ambos voltou-se para o Corcovado, porque um dizia: “Quando você vir o Cristo mudar de posição, e ficar de lado e não de frente, como agora, deve tocar a campainha, porque é o lugar de saltar”. O companheiro prestou atenção.
Mas, enquanto não saltava, o cicerone explicou ao companheiro: “Nesta rua há uma casa muito importante. É a casa de Rui Barbosa. Você já ouviu falar nele?” O outro respondeu que sim, porém sem grande convicção.
Mais adiante, o outro insistiu: “É uma casa formidável. Imagine que tudo lá dentro está conforme ele
deixou!” O segundo aprovou, balançando a cabeça com muita seriedade e respeito. Mas o primeiro estava empolgado pelo assunto e tornou a perguntar: “Você sabe quem foi Rui Barbosa, não sabe?” O segundo atendeu ao interesse do amigo: “Foi um sambista, não foi?” O primeiro ficou um pouco sem jeito, principalmente porque uns dois passageiros levantaram a cabeça para aquela conversa. Diminuiu um pouco a voz: ”Sambista, não”. E tentou explicar. Mas as palavras não lhe ocorriam e ficou por aqui: “Foi... foi uma pessoa muito falada”. O outro não respondeu.
E foi assim que o Cristo do Corcovado mudou de posição sem eles perceberem, e saltaram fora do ponto.
Ora, a moça disse-me; “Você com isso pode fazer uma crônica”. Respondi-lhe: “A crônica já está feita por si mesma. É o retrato deste mundo confuso, destas cabeças desajustadas. Poderão elas ser consertadas? Haverá maneira de se pôr ordem nessa confusão? Há crônicas e crônicas mostrando o caos a que fomos lançados. Adianta alguma coisa escrever para os que não querem resolver?”
A moça ficou triste e suspirou. (Ai, nós todos andamos tristes e suspirando!).
Meireles, Cecília. Escolha o seu sonho. São Paulo: Círculo do livro, s/d.
Gabarito comentado
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Vamos analisar a questão sobre o uso de parênteses no texto "Tristeza de Cronista" de Cecília Meireles. O objetivo é entender a função discursiva desses parênteses no texto.
A alternativa E é a correta: "apresentar reflexões mais intimistas do narrador do texto". Ao longo do texto, os parênteses são usados para expressar os pensamentos pessoais e reflexões do narrador de forma mais íntima e pessoal, algo que não é necessariamente parte da narrativa principal, mas que adiciona um comentário subjetivo e pessoal à situação descrita.
Justificativa para a alternativa correta:
Os parênteses são uma ferramenta que o autor utiliza para introduzir comentários ou reflexões pessoais que se destacam do fluxo principal da narrativa. Eles permitem que o narrador adicione observações que revelam seus sentimentos ou opiniões, muitas vezes proporcionando uma visão mais profunda e pessoal dos acontecimentos. No texto, as observações entre parênteses refletem a tristeza e a crítica do cronista em relação à superficialidade da conversa dos rapazes e à confusão do mundo moderno.
Análise das alternativas incorretas:
- A - Essa alternativa sugere que os parênteses marcam uma pausa e indicam a proposição do narrador. Embora eles possam criar uma pausa, a função principal aqui não é apenas indicar uma pausa, mas introduzir comentários pessoais.
- B - A ideia de ligar de forma mais íntima a inserção de um novo contexto é confusa, pois os parênteses não introduzem um novo contexto, mas sim reflexões dentro do mesmo contexto narrativo.
- C - Parênteses podem às vezes expressar algo fora do contexto principal, mas aqui eles servem mais para adicionar uma camada de comentário pessoal e não para inserir algo fora do contexto geral.
- D - Os parênteses não preenchem lacunas textuais, mas adicionam comentários ou reflexões que enriquecem o entendimento do texto, sem necessariamente esclarecer lacunas de informação.
Portanto, a função dos parênteses no texto é permitir que o narrador compartilhe suas reflexões mais íntimas, destacando uma visão crítica e pessoal sobre os eventos narrados.
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