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Q604228 Português

Com base nos conectivos do Texto, aponte a associação INCORRETA.

Texto III - Sem dor e sem culpa


No Brasil, a cesariana virou praxe, em vez de exceção, pelas mãos dos médicos que atendem convênios, nos quais a remuneração é a mesma para os dois procedimentos, com a diferença de que a cesárea leva meia hora e o parto normal pode ocupar um dia inteiro. As pacientes, claro, adoraram a ideia de um parto sem dor antes e durante (ainda que um pouco mais dolorido depois), com data marcada e ainda a vantagem de preservar o aparelho genital. Apesar de seu primeiro parto não ter sido particularmente prolongado, a dentista paulistana Carla Pereira, 36 anos, não esqueceu as dores excruciantes que sentiu para dar à luz Mateus, hoje com 12 anos. Há quatro anos, teve o segundo filho, Tomás, por cesariana (opção do médico – houve complicações no parto) e não sentiu nada. "Se soubesse que era tão rápido e confortável, nunca teria tido um filho pela via normal", afirma agora. "Essa história de que a dor do parto enobrece só pode ter sido inventada por um homem, que não tem a menor noção do que se trata."

Experiências como a de Carla ajudam a aumentar ainda mais o número de cesáreas na camada, ainda minoritária, das pessoas que dispõem de convênios de saúde ou podem pagar hospital do próprio bolso. A ideia de ter filhos sem dor (e cada vez menos culpa, diante da "conversão" dos profissionais mais renitentes) tem um apelo tão avassalador para as mães brasileiras que a cirurgia é usada em 80% a 90% dos partos fora da rede pública. Antes, as vantagens da cesariana eram contrabalançadas pelas desvantagens: anestesia, corte, dor no pós-parto, mulheres encurvadas caminhando devagarinho, encolhidas, pelos corredores da maternidade. As futuras mães que pediam o parto cirúrgico eram consideradas mimadas, imaturas, despreparadas até para os imensos sacrifícios exigidos pela maternidade. Com os progressos médicos, as desvantagens diminuíram e as parturientes se entusiasmaram. "Uma amiga conta para a outra e essa propaganda boca-a-boca está derrubando conceitos arraigados da nossa cultura judaico-cristã", observa o obstetra carioca Elias Andreatto. "Durante séculos, as mulheres sofreram para ter filhos como uma forma de se redimir do pecado original. Mas, com tudo o que a ciência oferece hoje, ninguém está mais disposto a sofrer à toa." O primeiro caso de que se tem notícia do uso de algum tipo de analgésico para diminuir a dor do parto beneficiou uma rainha: em meados do século XIX, Vitória, da Inglaterra, cheirou clorofórmio para dar à luz a princesa Beatriz. "Provavelmente, ela só teve coragem de driblar a dor porque era rainha", comenta Andreatto. "Se fosse plebeia, teria sido crucificada."

(Disponível em http://veja.abril.com.br/020501/p_060.html)

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