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Q1117509 Português
Até quando deixaremos milhões de brasileiros sem água e saneamento?

    O Brasil viveu um “apagão” no setor sanitário de pelo menos duas décadas; a falta dessa infraestrutura se tornou ainda pior nas megalópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, entre outras onde esgotos foram sistematicamente lançados em rios e no mar tomando-se ícones do despreparo. Bairros famosos foram construídos sem redes de coleta de esgoto, consequentemente também sem as estações de tratamento. Regiões muito importantes para o turismo, como o Norte e Nordeste, atualmente são as que possuem os maiores desafios. Menos de 10% da população do Norte têm coleta de esgoto. Já no Nordeste, um pouco mais de 25% da população têm coleta de esgoto.
    A falta de serviços regulares de saneamento básico, portanto, está por toda parte, dos bairros mais nobres às favelas mais carentes. Mas é certo que a maior indefinição esteja nas áreas mais pobres e nas milhares de áreas irregulares espalhadas pelas cidades do país. Apesar do crescimento econômico e da transferência de renda que vivemos nos últimos anos, os dados do Censo 2010 do IBGE mostram que no Brasil ainda temos mais de 11 milhões de pessoas morando somente nestas áreas irregulares, sendo que os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Pernambuco concentram as maiores populações nessa situação. Somente esses 5 estados respondem por quase 8 milhões dos brasileiros vivendo em aglomerados subnormais (cerca de 70% do total).
    Se olharmos a perda de água potável nos sistemas de distribuição, por motivo de fraudes no sistema, erros de leitura dos hidrômetros ou vazamentos, veremos que no Brasil está na média de 37%, então é bom ver cidades como Limeira e Campinas, em São Paulo, que sistematicamente desenvolvem ações de combate às perdas, tais como a redução da pressão nas redes, investimentos na troca de redes, automatização na detecção de vazamentos, educação da população para o uso racional.
    A realidade ainda é mais assustadora quando vemos que no Brasil há mais escolas conectadas à internet do que dotadas de sistema de coleta de esgoto. A cobertura das escolas com rede de esgoto, entre 2010 e 2014, cresceu meros 5 pontos percentuais, de 42% para 47%, enquanto o de escolas com internet saltou de 47% para 61 %. Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e mostram como o saneamento está atrasado no País.
    A boa notícia é que nos últimos anos o Brasil viveu um momento mais favorável ao saneamento, especialmente após a Lei nº 11.445 de 2007, o lançamento do PAC Saneamento, a criação do Ministério das Cidades e consequentemente a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. O país voltou a ter investimentos regulares, de 2007 a 2014, e entre os 100 maiores municípios, o Brasil tem umas 20 cidades que ostentam indicadores invejáveis de saneamento e que não ficam a dever aos países do primeiro mundo. Essas cidades, em contraste com a maioria dos municípios brasileiros, inclusive capitais, estão mais próximas da universalização dos serviços.
     Os recursos do PAC Saneamento ajudaram no avanço, mas infelizmente não conseguiram gerar todo o potencial de progresso que se esperava. Levantamentos do Instituto Trata Brasil feitos de 2009 a dezembro de 2014, envolvendo 330 obras de água e esgotos em cidades acima de 500 mil habitantes, mostram que mais de 40% das obras não cumprem o cronograma por estarem atrasadas, paralisadas ou não iniciadas.
    O cenário do saneamento básico mostra que independentemente do país contar com recursos públicos ou parcerias público-privadas, é essencial que exista vontade política e planejamento para resolver o problema. Como as crises geram oportunidades, talvez esse momento de escassez hídrica, que traz sofrimento à sociedade, desperte o desafio de usar melhor a água disponível e resolver definitivamente o problema dos esgotos. O fato da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 tratar do saneamento básico mostra que os esforços da sociedade começam a se congregar em busca de soluções mais realistas; cabe agora às autoridades entrarem na mesma sintonia.

(Por Édison Carlos – Presidente do Instituto Trata Brasil (Extraído da Revista O Ouro do Terceiro Milênio – Água, Guia Mundo em Foco Extra, Capítulo 3, Riscos e Ameaças – Análise, págs. 36 e 37, OnLine Editora, Março/2016.)
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