“O contexto maior não absolve, exatamente, o contexto imedia...

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Q896274 Português

TEXTO I:


                                 Nossa Senhora dos Destoantes

                                                                                    Luís Fernando Veríssimo 


      A pequena Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria é uma das tantas joias arquitetônicas de Ouro Preto. O exterior despojado não prepara o visitante para a opulência barroca do interior. O campanário fica afastado do corpo da igreja, como a “casinha” numa morada sem banheiro, e nada tem de imponente. Os sinos da Capela de Padre Faria badalam em concerto com os outros sinos da região, cantando as horas e os eventos, e não soam nem melhor nem pior do que os outros. Mas os sinos da Capela do Padre Faria têm uma história diferente dos outros.

      Quando Tiradentes foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro todos os outros sinos celebraram a notícia. Afinal, tratava-se da execução de um traidor, de um inimigo da sociedade. Os sinos de Ouro Preto festejaram o castigo exemplar de um réprobo e o triunfo da legalidade sobre a rebeldia. Mesmo que o toque festivo não tivesse sido recomendado pela Coroa, a celebração se justificaria. Mas os sinos da Capela do Padre Faria dobraram Finados. Pela primeira e única vez na história, talvez, os sinos da Capela do Padre Faria destoaram do concerto. Tocaram, sozinhos, uma batida fúnebre pelo martírio de Tiradentes.

      Não conheço bem a história e não sei o que motivou as badaladas subversivas. Um pedido de secretos simpatizantes da Inconfidência? Apenas uma manifestação de piedade cristã? Um sineiro bêbado? Não sei. Minha tese preferida é que alguém responsável pelos sinos teve um vislumbre histórico. Teve a presciência que ninguém mais teve e ordenou o toque plangente, em homenagem precoce ao futuro herói e pelo ocaso do poder colonial que seu sacrifício desencadearia.

      Nossa Senhora do Rosário serviria como padroeira, não necessariamente de quem consegue adivinhar a História, mas de quem entende o momento que está vivendo ou destoa da maioria, com ou sem razão. Destoantes deveriam ir regularmente em romaria à pequena capela e pedir a bênção dessa Nossa Senhora do Contexto Maior, para melhor poder enfrentar a maioria que badala o que não tem importância e o fato errado e menospreza qualquer batida diferente.

      Os outros sineiros de Ouro Preto não tinham como saber que estavam festejando a morte de um herói. Faltava-lhes a perspectiva histórica para entender o momento e só cumpriram o que se esperava deles. Estão perdoados. Mas que nos sirvam de lição.

(Disponível em https://jornalggn.com.br/noticia/nossa-senhora-dos-destoantes-por-luis-fernando-verissimo. Acesso em: 9 fev. 2018)

“O contexto maior não absolve, exatamente, o contexto imediato, a triste realidade de revelações e escândalos de todos os dias, mas consola. Nossa inspiração deve ser o historiador francês Fernand Braudel, que — principalmente no seu monumental estudo sobre as civilizações do Mediterrâneo — ensinou que, para se entender a História, é preciso concentrar-se no que ele chamava de lalonguedurée, que é outro nome para o contexto maior. Braudel partia do particular e do individual para o social e daí para o nacional e o generacional, se é que existe a palavra, e na sua história da região, o indivíduo e seu cotidiano eram reduzidos a “poeira” (palavra dele também, que incluía até papas e reis) em contraste com a longuedurée, o longo prazo da história verdadeira. Assim na sua obra se encontram as minúcias da vida diária nos países do Mediterrâneo mas compreendidas sub specieaeternitatis, do ponto de vista da eternidade, que é o contexto maior pedante.”

(Disponível em https://jornalggn.com.br/noticia/o-contexto-maior-por-luis-fernando-verissimo. Acesso em 09 fev. 2018).


O segmento em destaque também foi produzido por Luís Fernando Veríssimo, em sua crônica, de fevereiro de 2015, O contexto maior, título retomado no trecho da crônica Nossa Senhora dos Destoantes, publicada em 09 de fevereiro de 2018 em: “Destoantes deveriam ir regularmente em romaria à pequena capela e pedir a bênção dessa Nossa Senhora do Contexto Maior, para melhor poder enfrentar a maioria que badala o que não tem importância e o fato errado e menospreza qualquer batida diferente”.


Sobre essa referência de O contexto maior em Nossa Senhora dos Destoantes, pode-se afirmar que

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