A respeito das ideias desenvolvidas no texto acima, julgue (...
Em setembro de 1916, Fernando Pessoa pensava que o n.º 3 da revista Orpheu ainda poderia vir à luz. E, de fato, chega a entrar no prelo, imprimindo-se apenas algumas folhas. No sumário, como se depreende da carta a Cortes Rodrigues de 4 desse mês, deveriam figurar poemas ingleses do profeta do “supra-Camões” e “colaboração variada” do seu “velho e infeliz amigo Álvaro de Campos”. Vale a pena reparar nos adjetivos deploradores que o poeta junta, nessa data, ao nome do seu heterônimo dileto. Parece-me ser-nos lícito pensar que nesta altura já Álvaro de Campos dá indícios de “velhice” e “infelicidade”, ou seja, que Álvaro de Campos começa a despir a pele que lhe vestiram e, pelo menos como poeta, a tomar consciência de que a mistificação “sensacionisto-futurista” lhe não assenta bem. Daí que ao Fernando Pessoa não de todo desenganado dos “ismos” e ao mesmo Álvaro de Campos doutrinário, o Álvaro de Campos poeta se lhes entremostre “velho” e “infeliz”.
Seja como for, o certo é que em setembro de 1916, Pessoa, que se tem por “reconstruído” nessa altura, parece decidido a “fazer uma grande alteração na (sua) vida” como confidencia ao amigo micaelense: “vou tirar o acento circunflexo do meu apelido”. Realmente, “Pessôa” aparecera sempre, até então, ortografado com acento circunflexo. Grande alteração na vida: “Pessoa” iria passar a ser ortografado sem esse inútil apêndice! Sempre à beira do paradoxo e da boutade, Fernando Pessoa não perde a ocasião de ir além de si mesmo — de se mistificar a si próprio. Era então o momento de tomar tão grave medida. Com efeito, tendo apenas publicado com o seu verdadeiro nome, a esta data, além das Impressões do Crepúsculo, uns versos mais, o fato de ir publicar agora na Orpheu dois poemas ingleses — “muito indecentes, e, portanto, impublicáveis em Inglaterra” — levava-o a achar melhor “desadaptar-se” de uma partícula que lhe prejudicava a projeção cosmopolita do nome.
Como a Orpheu 3 não chega, porém, a vir à luz, Fernando Pessoa sem circunflexo tem de esperar pela publicação da revista Centauro, lançada em fins de 1916 (Outubro–Novembro–Dezembro), para aparecer, de fato, como autor dos Passos da Cruz.
Pormenor chistoso, boutade do incansável mistificador Fernando Pessoa, esta “desadaptação” ao circunflexo corresponde, todavia, a qualquer coisa mais importante do que parece. O poeta de Gládio atinge por esta altura a sua maioridade poética.
João Gaspar Simões. Vida e obra de Fernando Pessoa. Lisboa:
Livraria Bertrand, 1981, 5.ª edição, p. 393-4 (com adaptações).
A respeito das ideias desenvolvidas no texto acima, julgue (C ou E) o item subsecutivo.
Segundo o autor do texto, durante todo o tempo em que
utilizou o acento circunflexo no sobrenome, o poeta português
estava sendo paradoxal e querendo provocar humor por conta
daquele erro de acentuação.