Observe as orações: I. Por quê você demorou tanto? II. Eu ...

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Q482314 Português
                                         A Criada

    Seu nome era Eremita. Tinha dezenove anos. Rosto confiante, algumas espinhas. Onde estava a sua beleza? Havia beleza nesse corpo que não era feio nem bonito, nesse rosto onde uma doçura ansiosa de doçuras maiores era o sinal da vida.
    Beleza, não sei. Possivelmente não havia, se bem que os traços indecisos atraíssem como água atrai. Havia, sim, substância viva, unhas, carnes, dentes, mistura de resistências e fraquezas, constituindo vaga presença que se concretizava porém imediatamente numa cabeça interrogativa e já prestimosa, mal se pronunciava um nome: Eremita. Os olhos castanhos eram intraduzíveis, sem correspondência com o conjunto do rosto. Tão independentes como se fossem plantados na carne de um braço, e de lá nos olhassem – abertos, úmidos. Ela toda era de uma doçura próxima a lágrimas.
    Às vezes respondia com má-criação de criada mesmo. Desde pequena fora assim, explicou. Sem que isso viesse de seu caráter. Pois não havia no seu espírito nenhum endurecimento, nenhuma lei perceptível. “Eu tive  medo", dizia com naturalidade. “Me deu uma fome", dizia, e era sempre incontestável o que dizia, não se sabe por quê. “Ele me respeita muito", dizia do noivo e, apesar da expressão emprestada e convencional, a pessoa que ouvia entrava num mundo delicado de bichos e aves, onde todos se respeitam. “Eu tenho vergonha", dizia, e sorria enredada nas próprias sombras.Se a fome era de pão – que ela comia depressa como se pudessem tirá- lo – o medo era de trovoadas, a vergonha era de falar. Ela era gentil, honesta. “Deus me livre, não é?", dizia  ausente.
    Porque tinha suas ausências. O rosto se perdia numa tristeza impessoal e sem rugas. Uma tristeza mais  antiga que o seu espírito. Os olhos paravam vazios; diria mesmo um pouco ásperos. A pessoa que estivesse a  seu lado sofria e nada podia fazer. Só esperar.
    Pois ela estava entregue a alguma coisa, a misteriosa infante. Ninguém ousaria tocá-la nesse momento.  Esperava-se um pouco grave, de coração apertado, velando-a. Nada se poderia fazer por ela senão desejar que o  perigo passasse. Até que num movimento sem pressa, quase um suspiro, ela acordava como um cabrito recém  nascido se ergue sobre suas pernas. Voltara de seu repouso na tristeza.
    Voltava, não se pode dizer mais rica, porém mais garantida depois de ter bebido em não se sabe que fonte. O que se sabe é que a fonte devia ser antiga e pura. Sim, havia profundeza nela. Mas ninguém encontraria nada se descesse nas suas profundezas – senão a própria profundeza, como na escuridão se acha a escuridão. É possível que, se alguém prosseguisse mais, encontrasse, depois de andar léguas nas trevas, um indício de caminho, guiado talvez por um bater de asas, por algum rastro de bicho. E – de repente – a floresta.
    Ah, então devia ser esse o seu mistério: ela descobrira um atalho para a floresta. Decerto nas suas ausências era para lá que ia. Regressando com os olhos cheios de brandura e ignorância, olhos   completos. Ignorância tão vasta que nela caberia e se perderia toda a sabedoria do mundo.
    Assim era Eremita. Que se subisse à tona com tudo o que encontrara na floresta seria queimada em
fogueira. Mas o que vira – em que raízes mordera, com que espinhos sangrara, em que águas banhara os pés, que escuridão de ouro fora a luz que a envolvera – tudo isso ela não contava porque ignorava: fora percebido num só olhar, rápido demais para não ser senão um mistério.
    Assim, quando emergia, era uma criada. A quem chamavam constantemente da escuridão de seu atalho para funções menores, para lavar roupa, enxugar o chão, servir a uns e outros.
    Mas serviria mesmo? Pois se alguém prestasse atenção veria que ela lavava roupa – ao sol; que enxugava o chão – molhado pela chuva; que estendia lençóis – ao vento. Ela se arranjava para servir muito mais remotamente, e a outros deuses. Sempre com a inteireza de espírito que trouxera da floresta. Sem um pensamento: apenas corpo se movimentando calmo, rosto pleno de uma suave esperança que ninguém dá e ninguém tira.
    A única marca do perigo por que passara era o seu modo fugitivo de comer pão. No resto era serena. Mesmo quando tirava o dinheiro que a patroa esquecera sobre a mesa, mesmo quando levava para o noivo em embrulho discreto alguns gêneros da despensa. A roubar de leve ela também aprendera nas suas florestas.

                         (Lispector, Clarisse. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, pág. 117/119)

Observe as orações:
I. Por quê você demorou tanto?
II. Eu não sei o porquê de tudo isso.
III. A rua porque passei estava toda enfeitada.
Há ERRO na grafia da(s) oração(ões):
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Comentários

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Por quê - Quando vier antes de um ponto, seja final, interrogativo, exclamação, o por quê deverá vir acentuado e com o significado de “por qual motivo”, “por qual razão”

Porquê - É substantivo e tem significado de “o motivo”, “a razão”.

Porque - É conjunção causal ou explicativa, com valor aproximado de “pois”, “uma vez que”, “para que”.



O USO DOS PORQUÊS.

JUNTOS

- Porquê= Motivo/Razão (pode ter artigo precedente)

- Porque = É um substantivo = Explicativa (pois,uma vez que, para que).

SEPARADOS

- Por que= Por qual razão/motivo.

- Por quê = Final defrase.


I. Por quê você demorou tanto? Errado! O correto seria sem o acento - Por que você demorou tanto? O por que (separado e sem acento) utiliza-se em perguntas diretas ou indiretas, longe de sinais de pontuação.

II. Eu não sei o porquê de tudo isso. Certo! Exerce função de substantivo e vem acompanhado pelo artigo (o), poderia vir acompanhado também por um pronome. Pode ser substituído por razão, motivo...

III. A rua porque passei estava toda enfeitada. Errado! O correto seria separado e sem o acento - A rua por que passei estava toda enfeitada. Basta substituir o por que por pela qual... nesse caso, teremos uma preposição (por) + pronome relativo (qual).

Corrigindo...

 

I. Por que você demorou tanto?
II. Eu não sei o porquê de tudo isso.
III. A rua por que passei estava toda enfeitada.

IPor quê você demorou tanto?  ERRADA  >>  Por que você demorou tanto ?  ( POR QUE : COMEÇO DE FRASE. POR QUÊ , FIM DE FRASE) 
II. Eu não sei o porquê de tudo isso. CERTA  >> O PORQUÊ  ( SUBSTÂNTIVO -  TEM O ANRTIDO ' O ' )
III. A rua porque passei estava toda enfeitada. ERRADA >>  A rua por que passei estava toda enfeitada (   A RUA  PELA QUALPOR QUE ) PASSEI .   ----  PORQUE É UMA CONJUNÇÃO, NA DÚVIDA, TROQUE POR POIS ) .

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