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Q1393271 Português
O HOMEM QUE CONHECEU O AMOR 

Affonso Romano de Sant’Anna 


    Do alto de seus oitenta anos, me disse: “na verdade, fui muito amado.” E dizia isto com tal plenitude como quem dissesse: sempre me trouxeram flores, sempre comi ostras à beira-mar. 
    Não havia arrogância em sua frase, mas algo entre a humildade e a petulância sagrada. Parecia um pintor, que, olhando o quadro terminado, assina seu nome embaixo. Havia um certo fastio em suas palavras e gestos. Se retirava de um banquete satisfeito. Parecia pronto para morrer, já que sempre estivera pronto para amar. 
    Se eu fosse rei ou prefeito teria mandado erguer-lhe uma estátua. Mas, do jeito que falava, ele pedia apenas que no seu túmulo eu escrevesse: “aqui jaz um homem que amou e foi muito amado”. E aquele homem me confessou que amava sem nenhuma coerção. Não lhe encostei a faca no peito cobrando algo. Ele que tinha algo a me oferecer. Foi muito diferente daqueles que não confessam seus sentimentos nem mesmo debaixo de um “pau de arara”: estão ali se afogando de paixão, levando choques de amor, mas não se entregam. E no entanto, basta-lhes a ficha que está tudo lá: traficante ou guerrilheiro do amor. Uns dizem: casei várias vezes. Outros assinalam: fiz vários filhos. Outro dia li numa revista um conhecido ator dizendo: tive todas as mulheres que quis. Outros ainda, dizem: não posso viver sem fulana (ou fulano). Na Bíblia está que Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó e Jacó gerou as doze tribos de Israel. Mas nenhum deles disse: “Na verdade, fui muito amado”.
    Mas quando do alto de seus oitenta anos aquele homem desfechou sobre mim aquela frase, me senti não apenas como o homem que quer ser engenheiro como o pai. Senti-me um garoto de quatro anos, de calças curtas, se dizendo: quando eu crescer quero ser um homem de oitenta anos que diga: “amei muito, na verdade, fui muito amado.” Se não pensasse nisto não seria digno daquela frase que acabava de me ser ofertada. E eu não poderia desperdiçar uma sabedoria que levou 80 anos para se formar. É como se eu não visse o instante em que a lagarta se transformara em libélula. 
    Ouvindo-o, por um instante, suspeitei que a psicanálise havia fracassado; que tudo aquilo que Freud sempre disse, de que o desejo nunca é preenchido, que se o é, o é por frações de segundos, e que a vida é insatisfação e procura, tudo isto era coisa passada. Sim, porque sobre o amor há várias frases inquietantes por aí... Bilac nos dizia salomônico: “eu tenho amado tanto e não conheci o amor”. O Arnaldo Jabor disse outro dia a frase mais retumbante desde “Independência ou morte” ao afirmar: “o amor deixa muito a desejar”. Ataulfo Alves dizia: “eu era feliz e não sabia”. 
    Frase que se pode atualizar: eu era amado e não sabia. Porque nem todos sabem reconhecer quando são amados. Flores despencam em arco-íris sobre sua cama, um banquete real está sendo servido e, sonolento, olha noutra direção. 
    Sei que vocês vão me repreender, dizendo: deveria ter nos apresentado o personagem, também o queríamos conhecer, repartir tal acontecimento. E é justa a reprimenda. Porque quando alguém está amando, já nos contamina de jasmins. Temos vontade de dizer, vendo-o passar - ame por mim, já que não pode se deter para me amar a mim. Exatamente como se diz a alguém que está indo à Europa: por favor, na Itália, coma e beba por mim. 
    Ver uma pessoa amando é como ler um romance de amor. É como ver um filme de amor. Também se ama por contaminação na tela do instante. A estória é de outro, mas passa das páginas e telas para a gente.
    Todo jardineiro é jardineiro porque não pode ser flor. 
    Reconhece-se a 50m um desamado, o carente. Mas reconhece-se a 100m o bem-amado. Lá vem ele: sua luz nos chega antes de suas roupas e pele. 
    Sim, batem nas dobras de seu ser. Pássaros pousam em seus ombros e frases. Flores estão colorindo o chão em que pisou.
    O que ama é um disseminador.
    Tocar nele é colher virtudes. 
    O bem-amado dá a impressão de inesgotável. E é o contrário de Átila: por onde passa renascem cidades. 
    O bem-amado é uma usina de luz. Tão necessário à comunidade, que deveria ser declarado um bem de utilidade pública. 

Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=A7NcBAAAQBAJ&pg=PT116&lpg=PT116&dq=o+homem+que+conheceu+o+amor+cronica&source Acesso em: 06 ago. 2018. 
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Comentários

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 a) “Havia um certo fastio em suas palavras e gestos.” Oração sem sujeito  GABARITO.

 b) “Se retirava de um banquete satisfeito.”    Sujeito oculto

 c) “Sim, batem nas dobras de seu ser.”  Sujeito indeterminado

 d) “Também se ama por contaminação na tela do instante.” Sujeito indeterminado

GABARITO A

O verbo HAVER no sentido de existir é IMPESSOAL, permanece no SINGULAR e NUNCA possui sujeito. O que o verbo HAVER tem é OBJETO DIRETO.

bons estudos

Verbo haver com sentido de existir: SUJEITO INEXISTENTE!

Sobre os tipos de sujeito, convém mencionar estes:

1) oculto/elíptico/desinencial/implícito

Apesar de não aparecer na estrutura, é possível reconhecê-lo observando a forma verbal constante na frase. Exs.:

a) (eu) Avistei uma mulher deslumbrante;

b) (nós) Vimos um navio a atracar no cais.

2) inexistente

O sujeito será inexistente quando houver verbos impessoais (o “haver” no sentido de existência e tempo passado, os que denotam fenômenos da natureza, tempo transcorrido etc.). Exs.:

a) Choveu muito hoje;

b) Amanhã não haverá aula;

c) São cinco horas;

d) Fez dez graus nessa manhã.

3) simples

Apresenta somente um núcleo, este que é sempre pronome ou substantivo. Exs.:

a) Homens grandes realizam grandes feitos: sem escada, pegam frutas de árvores;

b) Raquel de Queirós foi a maior escritora brasileira;

c) Ninguém ouviu as súplicas do homem agônico.

4) composto

Apresenta dois ou mais núcleos. Exs.:

a) Homens e mulheres grandes realizam grandes feitos: sem escada, pegam frutas de árvores;

b) Raquel de Queirós, Clarice LispectorLygia Fagundes Telles escreveram livros insuperáveis;

c) Em minha biblioteca particular, Machado de Assis, José de Alencar, Monteiro Lobato, Aluísio de Azevedo, Raul Pompeia e Graciliano Ramos não faltam.

5) oracional

Apresenta-se sob forma de oração. Exs.:

a) Estudar muito e saber fazê-lo é crucial para ser aprovado;

b) Sobreviver a toda forma de contratempo é necessário;

c) É preciso compreender os motivos reais da insurreição.

6) Indeterminado

Em dois casos constar-se-á sujeito indeterminado:

I – Quando diante de verbos na terceira pessoa (singular ou plural, sendo último mais comum) sem referência a pessoas determinadas:

a) Diz que vai chover;

b) Estão batendo;

c) Disseram que você verá, este ano, seu nome no rol de aprovados.

II – Empregando o pronome “se” junto ao verbo, de modo que a oração passe a equivaler a outra que tem por sujeito “alguém”, “a gente”:

a) Vive-se bem aqui na cidade (a gente vive bem na cidade);

b) Precisa-se de pintores urgentemente (alguém precisa de pintores urgentemente);

A partícula “se” das frases anteriores se comporta como índice de indeterminação do sujeito.

a) “Havia um certo fastio em suas palavras e gestos.”

Correto. Há oração sem sujeito, tendo em vista que o verbo "haver" é impessoal no sentido de existência;

b) “Se retirava de um banquete satisfeito.”

Incorreto. Há sujeito indeterminado. Não há como precisá-lo apenas inspecionando este breve fragmento;

c) “Sim, batem nas dobras de seu ser.”

Incorreto. Há sujeito indeterminado;

d) “Também se ama por contaminação na tela do instante.”

Incorreto. Há sujeito indeterminado.

Letra A

GABARITO A

O verbo HAVER no sentido de existir é IMPESSOAL, NUNCA POSSUI SUJEITO.

O que o verbo HAVER tem é OBJETO DIRETO.

Foco, força e fé

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