Há uns anos, não pegava celular no metrô, o sentido do verbo...

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Q2745382 Português

INSTRUÇÃO: Leia atentamente o texto e responda às questões de 01 a 05.


A bolha


1 Ninguém mais conversa no metrô. Ninguém mais paquera. Ninguém mais olha o vazio, o mapa

das linhas, os anúncios, as luzes passando em sentido contrário, a própria imagem refletida nas janelas,

quem entra, quem sai, quem veste o que, quem está bem, quem está feliz, quem chora, quem dorme,

quem está por um fio, quem se dirige a uma manifestação de protesto, ou de apoio, quem defende o

5 que, gosta de qual banda, quem parte para um encontro secreto, ou acaba de ser beijada, por alguém

que sempre quis, e que nunca tomou a iniciativa, quem acaba de se apaixonar, ou descobre que o amor

acabou, quem espera gêmeos, está exultante e nem consegue mais dormir, quem acaba de conseguir

um emprego, quem não desce em nenhuma estação, e quer apenas um ar-condicionado no talo no

verão impiedoso, ou fugir da chuva, ou dar um tempo, viver sem sentir a vida, percorrer túneis

10 subterrâneos de uma grande metrópole, em que, apesar da multidão, se sente sozinho.

Ninguém troca ideias, opiniões divergentes, ninguém debate, é convencido de algo, muda de

opinião. A bolha que nos cerca nos protege. É como um escudo contra o que nos agride. A cidade nos

agride. O ódio nos agride. Todos nela nos agridem. Suas vozes incomodam.

Preferimos a música preferida da lista previamente selecionada que sai dos meus fones de

15 ouvido conectados por um cabo ao meu universo pessoal, em que sou Deus, em que decido o que ler e

ouvir, o que ver e curtir, o que assistir e ignorar, graças à opção “bloqueio”, à opção “excluir”, à opção

“apagar perfil”, “colocar em modo avião”, “não receber notificações”.

Há uns anos, não pegava celular no metrô. Os passageiros conversavam, paqueravam, miravam o

vazio, redescobriam estações no mapa das linhas, checavam os cabelos na imagem refletida, quem

20 entrava, saía, vestia o que, (…) quem estava bem, feliz, chorava, dormia, quem, pelo perfume, banho

tomado, roupa bonita, estava a caminho de um encontro secreto, fora beijada, por alguém

surpreendente, inexplicável, paixão que nasceu do fundo da alma, quem descobriu que não ama mais,

descobriu que estava grávida e não consegue mais dormir, tensa, quem acabou de perder um emprego,

a estação, o sentido de viver, porque se sente sozinho, apesar da multidão nas estações.

25 Trocavam-se ideias, opiniões, debatia-se, mudavam as convicções de alguém, apresentavam

outros pontos de vista, experiências e erros da história que se repetem. A bolha é nosso mundo agora. E

o que tem de tão urgente nos celulares, que não era na década anterior? O que é inadiável? A bolha em

si, e nela que se quer estar: protegido e isolado. O mundo é muito louco, tem muito louco por aí. E boa

parte, quando chega à sua estação, continua nela, caminha olhando ou falando para seu universo

30 pessoal. Haverá um dia em que as pessoas voltarão a interagir? O mundo corre perigo. (…)


Marcelo Rubens Paiva

(Adaptado a partir de: http://cultura.estadao.com.br/. Acesso em abril de 2017.)

Há uns anos, não pegava celular no metrô, o sentido do verbo pegar, nesse contexto, é o mesmo em

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