“– Se eu deixar para escrever minhas memórias quando tiver ...

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Q800895 Português

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                                     A IMAGEM NO ESPELHO

      Aos 20 anos escreveu suas memórias. Daí por diante é que começou a viver. Justificava-se:

      – Se eu deixar para escrever minhas memórias quando tiver 70 anos, vou esquecer muita coisa e mentir demais. Redigindo-as logo de saída, serão mais fiéis e terão a graça das coisas verdes.

      O que viveu depois disto não foi propriamente o que constava do livro, embora ele se esforçasse por viver o contado, não recuando nem diante de coisas desabonadoras. Mas os fatos nem sempre correspondiam ao texto e, para ser franco, direi que muitas vezes o contradiziam.

      Querendo ser honesto, pensou em retificar as memórias à proporção que a vida as contrariava. Mas isto seria falsificação do que honestamente pretendera (ou imaginara) devesse ser a sua vida. Ele não tinha fantasiado coisa alguma. Pusera no papel o que lhe parecia próprio de acontecer. Se não tinha acontecido, era certamente traição da vida, não dele.

      Em paz com a consciência, ignorou a versão do real, oposta ao real prefigurado. Seu livro foi adotado nos colégios, e todos reconheceram que aquele era o único livro de memórias totalmente verdadeiro. Os espelhos não mentem.

                             (ANDRADE, C. D. de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981, p. 23.) 

“– Se eu deixar para escrever minhas memórias quando tiver 70 anos, vou esquecer muita coisa e mentir demais.”

O conectivo sublinhado no período composto acima estabelece uma relação de: 

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