Considerando-se as características formais e funcionais do t...
Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Ano: 2024
Banca:
Instituto Avaliar
Órgão:
Câmara de Corumbaíba - GO
Prova:
Instituto Avaliar - 2024 - Câmara de Corumbaíba - GO - Procurador Jurídico |
Q3098047
Português
Texto associado
Ainda sobre a simplificação da linguagem jurídica e o fim do 'juridiquês'
(1§) No final do ano de 2023, o Conselho Nacional de Justiça divulgou o Pacto Nacional do Judiciário
pela Linguagem Simples, consistente na edição de medidas “com o objetivo de adotar linguagem simples,
direta e compreensível a todas as pessoas na produção das decisões judiciais e na comunicação geral com
a sociedade”, propondo, entre outras coisas, o “fomento ao uso de linguagem simples e direta nos
documentos judiciais, sem expressões técnicas desnecessárias” e “a criação de manuais e guias para
orientar cidadãos e cidadãs sobre o significado das expressões técnicas indispensáveis nos textos jurídicos”.
(2§) Em texto publicado em 2020, este subscritor já defendia a necessidade de uma revolução na
redação jurídica tradicionalmente adotada no País, com a superação do ultrapassado juridiquês,
compreendido como uma “expressão cunhada para ironizar a forma de expressão comumente adotada pelos
profissionais do Direito para se comunicarem em suas manifestações escritas ou orais, composta por
formalismos ultrapassados, expressões difíceis, sinônimos incomuns, palavras em latim e termos até
esdrúxulos”.
(3§) Sempre que o tema da simplificação da linguagem jurídica vem (ou volta) à tona, enfrenta
algumas críticas, sobretudo do meio acadêmico. As pessoas atribuem a ele ideias ou propostas que nunca
foram defendidas. É a típica falácia do espantalho.
(4§) Portanto, é preciso deixar claro que a defesa da simplificação da linguagem jurídica e do combate
ao juridiquês não propõem:
A) o fim do uso dos termos técnicos: eles existem em todas as áreas de conhecimento e devem ser
empregados adequadamente. Sentença é o ato judicial que decide a questão levada a julgamento e
não pode jamais ser chamada de despacho. O mandado de segurança é impetrado. O recurso
interposto, após conhecido, poderá ser provido ou desprovido. Furto e roubo são coisas bem
diferentes. Denúncia e queixa são atos processuais próprios, e não o registro de uma ocorrência na
polícia. Portanto, o uso adequado dos termos técnicos é indispensável para a elaboração de um texto
bom, claro e preciso.
O que se propõe é que eles sejam usados apenas quando necessários. Sem exibicionismo. E
muito menos ainda substitui-los por expressões esdrúxulas e sem previsão legal. Se o termo técnico é
petição inicial, por que escrever peça inaugural ou vestibular? Se é denúncia, por que se usar exordial
acusatória ou peça incoativa? Teríamos vários exemplos para citar.
Associado a isso, estimula-se a divulgação de materiais, explicando à pessoa leiga o sentido de
tais termos técnicos, para que ela compreenda, por exemplo, que afirmar que o juiz é incompetente
não é criticar a sua capacidade intelectual, mas apenas argumentar que, pelas regras processuais,
seria outro juiz que deveria julgar o processo. Ainda, propõe-se, simultaneamente à edição da
manifestação original, a elaboração de uma versão simplificada, para facilitar a compreensão pela
sociedade em geral.
B) que se possa escrever errado ou de qualquer jeito: a observância da gramática e o uso correto
das palavras são indispensáveis para um texto bem escrito, claro e objetivo. Curiosamente, o que se
percebe no dia a dia é que, na tentativa de demonstrar-se culto, o jurista comete erros gramaticais
básicos e dá a determinadas palavras sentidos diferentes do seu verdadeiro significado. Por exemplo,
o uso incorreto de “mesmo” como substituto de pronome pessoal; da expressão “posto que” com o
significado de “porque”, e não de oposição (apesar de que, embora, ainda que…); e da expressão
“restou comprovado” com o significado de “ficou comprovado”.
C) a superficialidade na análise de fatos, provas e argumentos: desde pequeno, somos forçados a
acreditar que precisamos escrever muito para demonstrar conhecimento. Nas escolas, as provas
exigiam limite mínimo de linhas para desenvolvimento da resposta. Por que eu preciso escrever 20
linhas se entendo que 10 linhas são suficientes para responder a pergunta formulada? E essa visão é
ainda mais estimulada após o ingresso no curso jurídico.
(5§) O certo, porém, é que a simplificação do formato da mensagem em nada interfere na qualidade do
seu conteúdo. Na verdade, o que muito se vê é a inserção de palavras, frases, expressões, dispositivos
legais, citações doutrinárias e decisões judiciais desnecessárias com a finalidade de demonstrar a suposta
qualidade do conteúdo da manifestação jurídica.
(6§) Lanço um desafio ao leitor: examine a sua última peça processual (ou, caso não queira se torturar,
examine a próxima peça processual que chegar às suas mãos) e conte quantos parágrafos iniciam-se por
“trata-se”, “cuida-se”, “é importante destacar”, “é válido ressaltar”, “cumpre pontuar”, “é digno de nota” ou
termos equivalentes. Se não todos, a grande maioria. Busque agora por expressões cafonas ou incomuns,
que poderiam ser facilmente excluídas ou substituídas por palavras mais simples. Procure, por exemplo, por
“noutro giro”, “lado outro”, “noutra banda”, “ademais”, “ulterior”, “com fulcro”, “com espeque”, “com
supedâneo”, “com efeito”, “outrossim” etc.
(7§) Após, faça um esforço mental, excluindo todas elas e reescrevendo o texto. Ao final, reflita sobre
se foi difícil retirá-las e se isso alterou a essência da mensagem. Aposto que não. O resultado é que agora
você tem a mesma mensagem, mas transmitida de forma simples, objetiva e direta.
(8§) É preciso, de uma vez por todas, superar a falsa relação entre escrever difícil e ser erudito. Não é
razoável alguém se achar culto por substituir resumo dos fatos por breve escorço factual; referir-se ao código
de processo civil como código de ritos; em vez de escrever autos, citar fólios ou pergaminho processual;
chamar cadeia ou presídio de ergástulo público; trocar habeas corpus por remédio heroico ou writ; ou usar a
expressão parquet ao se referir ao Ministério Público etc.
(9§) Sejamos sofisticados: simplifiquemos.
ASSUNÇÃO, Bruno de Barros. Ainda sobre a simplificação da linguagem jurídica e o fim do 'juridiquês'. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jul-01/ainda-sobre-a-necessidade-de-simplificacao-dalinguagem-juridica-e-o-fim-do-juridiques/. Acesso em: 31 out. 2024.
Considerando-se as características formais e funcionais do texto, nota-se que ele é um exemplo de