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Por que brasileiros não são considerados latinos nos EUA.


Thais Carrança


Da BBC News Brasil em São Paulo


@tcarran


7 maio 2023



Em 2020, ao menos 416 mil brasileiros vivendo nos Estados Unidos se identificaram como "hispânicos ou latinos" na ACS (American Community Survey), maior pesquisa domiciliar americana. O número chamou a atenção porque, em 2019, apenas 14 mil brasileiros haviam sido classificados dessa forma. Em 2021, foram 16 mil. O salto registrado em 2020 foi fruto de um erro no processamento da ACS pelo Departamento do Censo dos Estados Unidos. O equívoco trouxe à luz uma desconexão entre a classificação oficial americana e a identidade dos brasileiros.


Oficialmente, brasileiros não são considerados "hispânicos ou latinos" nos Estados Unidos. A origem disso está numa lei aprovada em 1976 pelo Congresso Americano, que determinou a coleta de dados no país sobre um grupo étnico específico: "americanos de origem ou descendência espanhola".


Essa legislação classificava esse grupo da seguinte maneira: “Americanos que se identificam como sendo de língua espanhola e traçam sua origem ou descendência no México, Porto Rico, Cuba, América Central e do Sul e outros países de língua espanhola.” Dessa forma, estavam incluídos na classificação 20 países falantes de espanhol na América Latina, mas não o Brasil, falante de português, ou outros países latinos, mas não hispânicos.


Em 1977, o Escritório de Administração e Orçamento dos EUA publicou então os padrões para a coleta de dados étnicos e raciais no país com cinco classificações: indígena americano ou nativo do Alasca; asiático ou ilhéu do Pacífico; negro; hispânico; ou branco.


Pela definição de 1977, "hispânico" era considerado uma etnia, não uma raça — a raça dizia respeito a características físicas, herdadas entre gerações; enquanto a etnia dizia mais respeito à identidade cultural e linguística, nessa classificação. Assim, na coleta de dados americana, os hispânicos podem ser de qualquer raça. Vinte anos depois, no entanto, essa classificação foi revisada. E, em 1997, a categoria "hispânico" mudou para "hispânico ou latino".


À época, o Escritório de Administração e Orçamento dos EUA justificou a mudança dizendo que o uso dos termos tinha variações regionais, com "hispânico" sendo mais usado no Leste do país e "latino" mais no Oeste. "Essa mudança pode contribuir para melhores taxas de resposta", argumentava o departamento americano.


Aí criou-se a confusão para a classificação dos brasileiros.


Porque, embora para o governo americano, a classificação "hispânico ou latino" diga respeito somente às pessoas de "cultura ou origem espanhola", para nós, o termo "latino" remete ao fato de sermos latino-americanos e falarmos uma língua latina, o português.


Nos censos de 1980 e 1990 nos EUA, valia a autodeclaração. Então, em 1980, 18% dos brasileiros vivendo nos EUA foram contabilizados como hispânicos. Em 1990, foram 33%. Mas, a partir de 2000, o Departamento do Censo dos EUA passou a fazer uma recategorização posterior. Assim, quem dizia ser "hispânico ou latino", mas, ao mesmo tempo, informava ser brasileiro, era então reclassificado como "não hispânico ou latino".


O mesmo acontecia com pessoas de outros países não falantes de espanhol, que porventura se declarassem latinos, como filipinos, portugueses e nativos de outros países centroamericanos e caribenhos não-hispânicos, como Belize, Haiti, Jamaica, Guiana, entre outros.


Desde 2006, além do Censo decenal, os EUA passaram a contar também com a American Community Survey (ACS), uma contagem populacional anual. Com esse esquema de reclassificação em vigor, a parcela de brasileiros quantificados como "hispânicos ou latinos" caiu para 4% ou menos em quase todas as edições da ACS. Esse percentual residual de brasileiros contados como "hispânicos ou latinos", mesmo nos anos em que a reclassificação funcionou adequadamente, se explica porque, quando a pessoa responde ser hispânica "de outra origem", mas não preenche essa origem, o Departamento do Censo não faz a reclassificação.


                                                


Trecho do formulário de pesquisa americano com a pergunta sobre origem hispânica ou latina — se a pessoa diz ser hispânica "de outra origem", mas não especifica a origem, a reclassificação posterior não é realizada.



Tradução da imagem:


A Pessoa é de origem Hispânica, Latina ou Espanhola?


[ ]Não, não é de origem Hispânica, Latina ou Espanhola


[ ]Sim, Mexicana, Mexicana Am., Chicano [ ]Sim, Porto-riquenha


[ ]Sim, Cubana


[ ]Sim, de outra origem Hispânica, Latina ou Espanhola – escreva, por exemplo, Salvadorenho, Dominicano, Colombiano, Guatemalteco, Espanhola, Equatoriana, etc



O Pew Research Center consegue identificar que são brasileiros olhando para dados de país de nascimento e ancestralidade, em outra parte do formulário da ACS, o que não é considerado pela autoridade censitária americana no processo de reclassificação.


Mas por que dizemos que o percentual de brasileiros classificados como "hispânicos ou latinos" caiu para 4% ou menos em "quase" todas as edições da ACS? Porque, em 2020, foi diferente.


Durante o processo de edição dos dados da ACS de 2020, o Departamento do Censo dos EUA cometeu um erro e deixou brasileiros e outros grupos sem esse processo de reclassificação. 


Com isso, o número de brasileiros que se identificaram como "hispânicos ou latinos" saltou de 14 mil em 2019, para 416 mil em 2020.


Entre os filipinos, o número passou de 44 mil para 67 mil; entre belizenhos, de 4 mil para 19 mil; e entre pessoas de países caribenhos não-hispânicos, de 36 mil para 71 mil. Mesmo o fenômeno afetando outros grupos, o caso dos brasileiros se destaca, pois 70% da comunidade brasileira nos EUA contabilizada na ACS se declarou "hispânica ou latina", revelou o erro de pesquisa, comparado a 41% dos belizenhos, 3% dos filipinos e 3% dos caribenhos não-hispânicos. "


"O grande número de brasileiros que se identificam como hispânicos ou latinos destaca como a visão deles de sua própria identidade não necessariamente se alinha com as definições oficiais do governo", observam Jeffrey S. Passel e Jens Manuel Krogstad, autores do estudo publicado pelo Pew Research Center. "Também ressalta que ser hispânico ou latino significa coisas diferentes para pessoas diferentes", acrescentam os pesquisadores.


Para o brasileiro Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center na Universidade de Michigan, o caso serve para refletir sobre como pesquisas são feitas. "Metodologicamente, isso [o erro na ACS de 2020] é bastante interessante para ilustrar um dos aspectos do erro de mensuração em pesquisas: o impacto do entendimento da pergunta por parte do respondente no que se pretende mensurar", escreveu Nishimura, sobre o estudo do Pew Research Center. "Nesse caso, me parece que o U.S. Census Bureau [Departamento do Censo dos EUA] deveria deixar mais claro nessa questão o que é e o que não é considerado como latino, hispânico ou origem espanhola", defendeu o estatístico.


Segundo Nishimura, apesar da desconexão entre classificação oficial e identidade dos brasileiros revelada pelo erro de pesquisa em 2020, parece improvável que o governo americano reveja essa classificação em algum momento próximo.


Em junho de 2022, o governo anunciou uma revisão na coleta de dados sobre raça e etnia nos EUA, que poderá valer já para o Censo de 2030. Mas essa reavaliação parece estar mais focada nas comunidades do Oriente Médio e Norte da África, que podem ganhar uma classificação própria nas pesquisas demográficas americanas, separada da categoria "branco", observa o estatístico, que mora nos EUA há 13 anos.


Se os brasileiros fossem oficialmente considerados "hispânicos ou latinos", seríamos o 14º maior grupo latino dos EUA, acima da Nicarágua (395 mil) e abaixo da Venezuela (619 mil). Ainda assim, a população hispânica é tão grande nos EUA (61,1 milhões), que a comunidade brasileira contabilizada (569 mil na ACS de 2021) não chegaria a 1% do total de latinos.


[…]


A comunidade brasileira contabilizada na ACS pode, no entanto, estar subestimada. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil calcula o número de brasileiros vivendo nos EUA em 1,9 milhão – trata-se da maior comunidade brasileira no exterior, segundo relatório de agosto de 2022 sobre o tema.


Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx9nel14ekwo

Considerando as informações presentes no Texto 2, é possível concluir que:
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